segunda-feira, 24 de junho de 2019

Cantor sertanejo: profissão perigo?

Fiz uma busca no Google com a expressão "morre cantor sertanejo" e tabelei os resultados para as três primeiras páginas.

idade data causa URL
67
18/01/2019
infarto
85
17/05/2019
?
24
26/06/2019
acidente rodoviário
25
28/12/2018
atropelamento
68
03/03/2015
complicações no coração e rins
61
23/04/2019
-
87
12/08/2015
?
76
01/08/2012
doença de chagas e enfisema pulmonar
88
05/06/2017
-
87
15/02/2015
doença de Chagas
33
15/04/2018
acidente rodoviário
28
27/05/2019
queda de avião
77
05/04/2014
cirrose hepática
23
22/01/2012
acidente rodoviário
35
15/04/2019
acidente rodoviário
34
12/09/1997
acidente rodoviário
26
30/05/2019
acidente rodoviário
29
24/06/2015
acidente rodoviário
35
01/07/2017
acidente rodoviário
20
23/07/2016
acidente rodoviário
63
26/02/2016
parada cardíaca
63
20/09/2012
infarto
70
09/02/2010
infarto
85
04/01/2016
câncer
49
05/02/2007
homicídio
26
29/05/2016
acidente rodoviário

A idade média das mortes desses 26 casos é de apenas 52,5 anos (com desvio padrão de 24,8 anos). Acidente rodoviário corresponde a 38,5% das mortes.

Os valores verdadeiros provavelmente não são esses: o algoritmo do Google dá preferência a páginas mais linkadas em outras páginas e o noticiário deve tender a ignorar a morte serena por causas naturais de artistas mais antigos, já longe dos tempos da fama; mas, de qualquer maneira, o tempo de estrada dos artistas - que precisam pular de cidade em cidade em agenda apertada para juntar dinheiro - parece expor demais os cantores mais jovens (entre os que morreram em acidentes nas rodovias, a idade média foi de apenas 28,5 anos - o mais velho tinha 35 anos e o mais novo, 20 anos).

Por este levantamento não é possível saber, mas pode ser que a taxa de acidentes também seja mais alta entre os sertanejos em comparação com profissionais que passam tempos equivalentes nas estradas. Eles podem, por exemplo, andar a velocidades maiores - ou pela juventude levar a correr mais do que o prudente ou a necessidade de chegar logo para o outro show fazer pisar no acelerador. Se for o caso, uma campanha de alerta especial pode ser necessário para o grupo (não necessariamente uma governamental, mas a própria classe poderia discutir isso).

sexta-feira, 5 de abril de 2019

O peru do Gabeira (Metáfora esportiva, seus degenerados!)

Fernando Gabeira mandou muito mal em sua peça opiniática sobre uso de animais nas religiões afrobrasileiras.

Primeiro, Cecília era uma chimpanzé submetida a maus tratos*. Candomblé, umbanda e quejandos não usam primatas em rituais. Não submetem os bichos a maus tratos.

Então a decisão do STF não tem nada a ver com a decisão do habeas corpus da chimpanzé na ARG. A justiça do BRA tem vários casos decididos de condenação por maus tratos e perda de posse de animais.

Farra do Boi também não é boa analogia. Primeiro que o status de respeito religioso tem um status muito mais alto tanto no ordenamento jurídico brasileiro como no ethos do brasileiro do que o mero entretenimento e mesmo do que alguns aspectos culturais.

Vilipendiar símbolos religiosos é crime, p.e. Se você fizer isso com escudos de times de futebol, é do jogo. Em segundo lugar, a farra do boi tem claros elementos de crueldade com o animal, que fica assustado, que sofre.

"Será que o sacrifício de animais é essencial para sua existência? Assim, como um leigo..." Isso, vc é leigo, não é nem adepto da religião. Pode-se perguntar, pode e deve questionar, mas a sua conclusão não é válida para o ponto de vista da religião.

"Na Baixada Fluminense documentei inúmeros trabalhos religiosos, nem todos usavam animais e, quando usavam, eram apenas uma parte das oferendas." Sim, assim como eleição é apenas uma parte da vida democrática; a maioria dos trabalhos não são por meio de voto vai falar q eleição é um elemento meramente acessório e dispensável à democracia?

E segue: "Mas o peru de Natal é diferente. Ele é comido." Poxa, Gabeira, nem pra estudar o básico pra poder opinar com alguma propriedade? Os animais sacrificados são, sim, comidos depois.

"Mas o fato de comermos peru no Natal e sabermos que milhares morrem diariamente não justifica arrancar o pescoço de uma ave numa celebração mística." Celebração mística como o nascimento do filho de deus entre os cristãos?

Quem aqui come cabeça de peru? Mal vem a cabeça na embalagem, a maioria tem nojo. Então, sim, perus de Natal também são degolados, Gabeira.

Faltou um triz pro Gabeira dizer textualmente que candomblé, umbanda e outros cultos de matriz afro merecem um status menor do que o cristianismo. E que merecem respeito menor do que aspectos econômicos.

Bola fora, pexotada, um frango, um frangaço, um peru.

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Upideite(05.abr.2019): Ao menos era mantida em condições inadequadas.

terça-feira, 28 de agosto de 2018

Além da cúpula do trovão

Reproduzo o que escrevi alhures sobre a polêmica defendida pelo prof. Max Langer, da USP/RP.
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No texto original pra Folha, o prof. Langer não menciona nenhuma vez as palavras: moral(idade), ética; menos ainda diz algo sobre a moralidade ser ou não absoluta.

O que ele diz, textualmente:

"Por que diabos nossa espécie deveria agir como uma polícia ambiental que, uma vez presente na Terra (como se tivesse vindo de outro mundo), precisa conter as mudanças naturais (inclusive aquelas causadas por nós mesmos) pelas quais o meio constantemente passa? A vida em nosso planeta é irremediavelmente dinâmica. Quão egoísta de nossa parte seria conter esse curso, impedindo o surgimento de qual sorte de magníficos organismos que o futuro reserva?"

Nas respostas às críticas ao texto original, o prof. Langer introduz o conceito de "imperativo moral absoluto": "Somente não acho que exista um imperativo moral absoluto nisso, que seja algo que 'tenha' que ser feito."

Há uma série de contradições do prof. Langer nessa linha de raciocínio.

1. Aceitemos, por caridade, que ele esteja certo de que a vida seja *irremediavelmente* dinâmica. Que nada do que fizermos impede a extinção de espécie e o aparecimento de novas. Isso é reforçado na resposta de Langer aos pesquisadores Hubbe e Mendonça-Furtado (H&MF): "Não, não acho que possamos fazer nada, pois o que quer que façamos não faz diferença no cômputo geral das coisas". Oras, se qualquer coisa que fizermos não irá afetar a tal dinâmica, por que cargas d'água o pesquisador está incomodado a ponto de falar que tentar preservar espécies interfere com a dinâmica da vida?

Talvez porque os recursos poderiam ser usados pra outra coisa? Mas aí segundo o próprio prof. Langer, ainda em resposta a H&MF: "Normalmente seguimos as convenções atuais de onde vivemos [...]". E mais pra frente à indagação de H&MF de se seria justo abandonar os doentes, Langer responde: "Muitas sociedades tradicionais o fazem. Não estou concordando ou não, somente dizendo que isso é/foi socialmente aceito." E também diz: "Quem comete crime ambiental deve pagar por isso. Mas porque está cometendo um crime (ação que a sociedade, através de seus governantes, julgou inadequada), não um mal em si."

Oras, se a sociedade convencionou que a proteção da natureza é um valor, que os recursos e esforços para conservar espécies e biomas são bem aplicados, qual o incômodo do prof. Langer?
2. H&MF na crítica a Langer escrevem: "Cianobactérias e florestas do passado causaram grandes extinções. Estas extinções também baniram do planeta várias espécies de cianobactérias e plantas daquelas florestas. Será que se elas soubessem que suas ações as levariam à morte, elas não tentariam fazer nada para reverter o processo?"

Ao que Langer responde: "É falacioso comparar humanos (uma espécie vivente) com plantas e cianobactérias (milhares de espécies viventes)."

Mas foi o *próprio* Langer quem trouxe as cianobactérias e plantas à discussão, ao usá-las como exemplos de que as extinções são causadas por agentes naturais e concluir que a extinção antropogênica é natural. Então, ou H&MF também podem comparar cianobactérias e plantas com os humanos ou o prof. Langer foi falacioso no texto original.

3. Em resposta a Reinaldo José Lopes, o prof Langer concede que: "Atitudes ambientalistas podem muito bem ser a melhor alternativa para a sociedade humana (para sua preservação, ou a de qualquer outra espécie ou ecossistema que se queira), não discordo disso, discordo delas (atitudes ambientalistas) serem consideradas como um valor em si, 'certas', inatacáveis, totalitárias, e não relativizadas pelo conhecimento acumulado sobre a vida e o homem."

Oras, se forem a melhor alternativa serão relativizadas pelo quê? Se são as melhores tal avaliação passa pelo conhecimento acumulado sobre a vida e o homem. Em que a extinção antropogênica ser também natural relativizaria?

4. "Segundo, acho a consciência humana supervalorizada, além de mal definida (temos que saber minimamente do que estamos falando antes de usar o termo). Mesmo que ela exista em cada indivíduo (mas leiam 'cachorros de Palha' de John Gray ou vejam os vídeo de Claudia Feitosa-Santana no 'Casa do Saber' para terem dúvidas disso), não existe de forma coletiva para uma espécie. 'A espécie' não pode redirecionar suas atividades, pois essas são tão somente o somatório das atividades dos organismos que a compõe. Não existe 'bunker de comando'."

Se supervalorizada ou não, ela existe. Só o fato de Langer poder escrever sobre a extinção causada pelos humanos ser ou não natural em um meio de comunicação em massa e de responder a uma crítica já é um indicativo de que humanos são conscientes. Ou pelo menos um.
Mas, independentemente disso, mais uma vez, foi o próprio prof. Langer quem introduziu a consciência na discussão em seu texto original.

"No caso de nosso cérebro, ele possibilitou o desenvolvimento da linguagem e da consciência, por exemplo, atributos também geralmente reputados como únicos do ser humano. Animais não humanos se comunicam? Sem dúvida. Mas possuem linguagem? Também há consenso de que muitos são sencientes. Mas seriam conscientes? Para o filósofo australiano Peter Singer, senciência seria a capacidade de experimentar dor e sofrimento; consciência também incluiria outros aspectos como intencionalidade, autoconsciência e criatividade.

Independentemente das respostas a essas perguntas, que em muito dependem das altamente imprecisas definições desses termos, o mais importante é entender que, únicos ou não, tais atributos surgiram na espécie humana como consequência do processo evolutivo. Por isso, em sua essência, são equivalentes a qualquer outra característica de qualquer outra espécie. Possuí-los não nos faz diferentes, pois eles compartilham sua natureza com o restante das coisas do mundo."

E na espécie humana existem vários bunkers de comando: famílias, instituições, governos, sociedade.
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Enfim, se o ponto de Langer era argumentar que não há moral absoluta, 1. não muda nada a questão ambiental (porque ela sempre tem sido dialógica - ainda que ocasionalmente confrontacional - as leis, ao menos em democracias, e as convenções internacionais são frutos de intensas negociações - frequentemente frustrantes para os ambientalistas), 2. foi feito de modo pouco cuidadoso e eficiente (a ponto de várias pessoas plenamente capacitadas criticarem-no e Langer ter que dizer que foi mal interpretado; o ponto não foi nem sequer mencionado no texto original; o ponto destacado, que a extinção antropogênica é natural, não tem qualquer relevância, já que incorreria na falácia naturalista).
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domingo, 8 de abril de 2018

Lula, Lava Jato e contexto

Reproduzo abaixo o que escrevi alhures.

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Já vi vários argumentos justificando a prisão de Lula e/ou de que ele de fato cometeu crime de corrupção com base na aliança dele com Jucá, Temer, Maluf, Renan, Sarney, donos de empreiteiras como Emílio e Marcelo Odebrecht ou Leo Pinheiro...

Em um primeiro momento isso me soa a um ad hominem. O fato de ele ter feito aliança política com sujeitos no mímino mínimo suspeitos não comprova que se tenha cometido ilícito.

Sendo caridoso, podemos ver isso não como uma prova, mas como um argumento de contexto. Como era próximo a notórios corruptos, então certos outros elementos de prova devem seguir uma certa chave interpretativa: altera a probabilidade condicional de que esses elementos estejam ligados a atos ilícitos.

Pois bem, assim seria justo. Mas há um porém. Dois.

1. Temos o fato de que era uma composição política em nome da governabilidade também. Isso *também* altera as probabilidades condicionais, mas em um sentido oposto, o de diminuir a probabilidade de ligação com ilícitos. P.e. a nomeação de Barusco Pedro Paulo Costa pra diretoria. Se analisamos no contexto da associação criminosa, como fez o Moro e como defende quem lembra das alianças com a escumalha política, essa nomeação é suspeita como facilitadora proposital da corrupção. Se analisamos sob a óptica da governabilidade, a nomeação se dá pra facilitar o apoio político de projetos do governo. (Note-se que Lula só força o conselho a aprovar a nomeação após o PP pressionar cobrando pela demora na homologação.)

2. Temos que levar em conta também como contexto que os procuradores do MPFPR e o juiz Sérgio Moro *queriam* a condenação do Lula - tenha ou não componente apreciável da pressão midiática nessa vontade dos membros da Lava Jato. Isso é evidenciado nas várias condutas consideradas atípicas por especialistas no Direito de seus membros no inquérito e no processo. Lembrando não apenas a pressa sempre presente (o rápido julgamento, o rápido pedido de prisão), mas a divulgação ilegal dos grampos (Moro teve que pedir desculpas depois de levar um pito do STF) e a recusa do acordo de colaboração premiada quando não envolvia acusação contra Lula. E, mais grave, a denúncia de Tacla Duran sobre os procedimentos da Lava Jato.

Se é contexto, temos que considerar esses e outros elementos também.
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sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Batatinha quando nasce: não espalhe desinformação


Republico aqui minha análise da tese de que o verso original seria "Espalha a rama pelo chão" que postei alhures.
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 Um outro mito recorrente de hipercorreção é de que o verso original da "Batatinha" seria "espalha a rama".

De fato, uma versão antiga - e talvez ancestral - fala em "deita a rama".

"Batatinha quando nasce
Deita a rama pelo chão
Mulatinha quando deita
Põe a mão no coração."
Foi registrada, p.e., em um livro do final do séc. 19: "Cantos populares do Brazil, colligidos pelo dr. S. Roméro, acompanhados de intr. e notas comparativas por T. Braga" de 1883.

Mas em seu "Trova literária: história da quadra setissilábica autônoma, especialmente na literatura brasileira" de 1974, o poeta e engenheiro Eno Teodoro Wanke, embora tenha registrado diversas variantes do "batatinha", não incluiu nenhum "espalha a rama".

Como o subtítulo da obra de Wanke indica, "Batatinha" - tal qual grande parte das trovas e cantigas populares, é uma redondilha. No caso, uma redondilha maior, com sete sílabas - e com tônicas nas sílabas ímpares. "Espalha a rama" torna o verso octossílabo e com tônicas nas pares.

Cabe notar a existência de versos como:

"A laranja, quando nasce,
Logo nasce redondinha;
Também tu, quando nasceste,
Logo foi para ser minha."
(Registrado também por Sylvio Roméro - e a trova era entoada não apenas no Brasil, mas, segundo Wanke, também em Portugal, na região de Minho).

Ou

"A açucena quando nasce
Arrebenta pelo pé,
Assim arrebenta a lingua
De quem falia o que não é."
(Igualmente registrado por Sylvio Roméro.)

É difícil saber qual foi a forma original e quando passou a incluir "batatinha" (suponho - é suposição - que seja derivada, já que laranjeiras e açucenas eram conhecidas na Europa, os versos devem preceder à colonização do Brasil e o contato com as batatas, nativas das Américas). É possível que "esparrama" seja derivada. Mas dificilmente incluiu um intermediário "espalha a rama" ao menos como algo estável - já que atrapalha completamente o tempo da declamação pelo número de sílabas diferente e tônicas fora de tempo.
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Upideite(19/jan/2017): A referência mais antiga que encontro no Google Books a "espalha a rama" é de um livro de 1985 "Contribuição ao conhecimento de Roraima e sua cultura", sem autoria indicada (possivelmente corresponde a Sette Silva,E.L. ; Nascimento,M.C.S.C. 1985. Contribuição ao
conhecimento de Roraima e sua cultura. Governo do Teritório Federal de Roraima / Conselho Territorial de Cultura, Boa Vista. 91p. como referido em Barbosa, R.I. et al. 2000):

"Batatinha quando nasce
Espalha a rama pelo chão
Meu amor quando me beija
Põe a mão no coração"

domingo, 24 de dezembro de 2017

A Christmas Carol

Republico um "poema" que postei alhures.

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1
Carolina, a Carol, é professora nova no pedaço.
"E vejam só", diz Romildo, professor veterano,
"Ela é de artes, mas sem régua nem compasso.
Leva as criancinhas a um museu tão mundano!"
2
"Como pode arte sacra, mas com tanto nu?",
Indaga e aponta Afrânio, outro professor cioso.
"E ainda debate abertamente Bentinho e Capitu,
Defendendo a adúltera contra o senhor esposo."
3
E nas redes sociais exibe Carolina mais uma face:
"Que horror, que horror, professora e abortista",
Continua Agripina, professora da mais fina classe,
"E ateia, meu Deus, ateia! É infinda a terrível lista."
4
"Isso não pode continuar, algo precisa ser feito",
Pontua Juvenal, professor de todos o mais Caxias.
"Vamos filmá-la e flagrá-la em ato de desrespeito
Aos nobres valores que cultivam nossas famílias!"
5
Os docentes disfarçados gravaram nos celulares
Cada saída da recém-admitida jovem professora
Nas excursões dos alunos, nas noites em bares;
Registraram cada imagem da tal doutrinadora.
6
Para as aulas, ficou a cargo do filho de Juvenal
Fazer a gravação das indecências e ignonímias.
Ao longo dos dias e meses, juntaram um arsenal:
De defender a Cuba a chamar alunas de símias.
7
A gota d'água foi em um horário de almoço
A jovem em libertinagem com outra jovem
Em plena rua, em pleno dia! Fundo do poço!
"Que as crianças desse fruto não provem!"
8
Em comitiva os professores foram à Diretora,
Respeitada cristã, também dona da escola.
Vídeos, fotos e áudio mostraram sem demora.
Horrorizada ficou a Diretora, patroa e carola.
9
"Isso acaba hoje!", disse a Diretora indignada.
"Esta escola não aceita esse comportamento
Asqueroso. Essa sem-vergonhice será castigada.
É demissão, claro, já, agora. Eu só lamento."
10
"Carolina", disse a Diretora, "venha comigo".
Os professores regozijaram-se contidamente.
"Justiça feita", pensavam. "Afastado o perigo."
A novata esvaziava sua mesa na sala em frente.
11
Voltaram a jovem professora e a Diretora então.
"Diante de todos, digo, Carol, você está promovida,
E demito todos os demais que nesta sala estão.
Uma coisa que não suporto é gente enxerida."
12
"Mas esta escola é cristã e a senhora, pastora",
Objetou Juvenal, gaguejando em tal surpresa.
"Sim, isso tudo é verdade", respondeu a Diretora,
"Por isso esta decisão é a de maior justeza."
13
A Diretora, claro, discordava da professora novata
Em vários pontos, mas isso em um plano pessoal;
Nada a ver com obra de arte concreta ou abstrata.
No que valia, no trabalho, Carol era uma sem igual.
14
Já esses macarthistas, o mais puro desalento:
Espionarem colega em seu trabalho e na folga,
Pra isso usando até de um deles o próprio rebento.
"Picasso, não Fidel; Brassau era o mico. Ó molga."
15
"'Não julgueis para que não sejais julgados' já dizia
O Nazareno. E o que me apresentam? Fofocas.
Fofocas vis, maledicências rasas. Que crime havia?
Nela, nenhum. Em vocês, todos.Tolos bobocas."
16
"Nu na arte", disse a Diretora, "não é pornografia".
É simbólica na inocência dos querubins;
É estética que aos grandes clássicos referencia;
É científica no retrato dos povos tupiniquins.
17
Carolina até aí calada então intercedeu:
"Diretora, sábias são suas palavras proferidas,
Mas foi só um lapso, tentados por Asmodeu,
Veja ali agora, são todos almas arrependidas."
18
Assentiu a Diretora, tomada em espírito natalino,
Desde que se desculpassem com a jovem Carol.
Curvaram-se na humildade de Jesus menino.
E já não carne, mas pura luz brilhava como Sol.
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terça-feira, 18 de julho de 2017

Partido da ciência é uma boa?

Publiquei alhures algumas orelhadas minhas (abaixo reproduzidas) sobre a proposta de um partido de cientistas e algumas possíveis alternativas.
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Partido próprio
*Vantagem: controle sobre o processo de escolha dos candidatos - tanto do partido, quanto dos eleitores (os votos não vão para candidatos alienígenas à proposta), adesão à plataforma.
*Desvantagem: administrar tensões internas de questões extracientíficas (e mesmo questões intracientíficas mais polêmicas), como a divisão natural entre direita e esquerda (sim, é natural - sem me alongar muito, é natural que uns prefiram soluções mais individuais e outros, mais coletivas), coletivização da imagem a toda à a comunidade científica (não apenas ao partido) em caso de erros de membros do partido, esforço pra criar uma estrutura quase do zero; enfrentar cláusulas de barreira.
Partidos preexistentes*Vantagem: aproveitamento de estrutura e know-how já estabelecidos; a depender do partido, aproveitamento de base eleitoral; erros individuais não respingarão tanto para toda a coletividade; tensões como direita-esquerda diluem-se com participação de cada cientista-político (atenção: não é cientista político) a agremiações com filosofias mais afins.
*Desvantagem: imagem desgastada dos partidos estabelecidos em geral; controle reduzido da escolha de candidatos e alocação de verbas de campanha; não garante unidade de plataforma, especialmente em grandes partidos; necessidade de articulação suprapartidária para uma bancada da ciência.
Lobby
*Vantagem: evita desgaste político por erros de representantes; não necessita manutenção de estrutura partidária; nem fica preso à agenda de outros partidos. necessidade de estrutura para fazer pressão junto a políticos; incapacidade de interferência mais direta no processo legislativo.
*Desvantagem: eficiência histórica um tanto discutível; necessidade de concorrência com outros lobbies de setores com interesses diversos ou antagônicos; necessidade de grandes concessõesnecessidade de estrutura para fazer pressão junto a políticos; incapacidade de interferência mais direta no processo legislativo.
Estratégia mista
*Vantagem: pode combinar várias vias alternativas em paralelo, em série ou sinergisticamente.
*Desvantagem: divisão de recursos humanos e financeiros em várias vias; pode combinar as desvantagens.
Nada
*Vantagem: não se arrisca ao ônus da tentativa.
*Desvantagem: dificilmente obtém algum resultado; no andar da carruagem atual, tende a piorar.
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Eu vejo a iniciativa com bons olhos e, apesar dos riscos envolvidos, acho que vale a pena o experimento (até pela oportunidade de adotar a denominação Partido da Ciência - PaCiência). Como grupo controle eu receitaria estabelecer alguns universos paralelos em que outras alternativas são tentadas, mas suspeito que a CEUA (Comissão de Ética no Uso de Animais) e o CETEA (Comitê de Ética em Experimentação Animal) não darão o aceite.

Upideite(19.jul.2017): Carlos Orsi também apresentou a análise dele sobre a proposta. Ele é mais pessimista quanto à solução via participação partidária - e vê como melhor alternativa a mobilização popular. É algo a se pensar com carinho. Eu discordo porém do nível de dificuldade que Orsi vê na solução partidária e da facilidade da via da mobilização popular. Em relação ao primeiro ponto: sim, a via política pressupõe negociações, mas isso ocorre mesmo na mobilização popular - agora que tipo e nível de concessão será feita, é uma discussão que cabe. No segundo, 7 milhões de pessoas (estimativa de Orsi do número mínimo de pessoas a serem mobilizadas em projetos pró-ciência) é *muita*, mas *muita* gente. Mesmo o milhão que ele calcula para o nível estadual é difícil de se conseguir. Pra se criar um partido novo, algo como 500 mil assinaturas são necessárias (em 14 unidades da federação), um projeto de lei de iniciativa popular em nível federal demanda mais de 1 milhão de signatários. Tanto não é trivial se obter esse número que são bem raros tais projetos que chegam ao congresso para votação; mesmo o projeto do MPF com medidas para combate à corrupção conseguiu 2 milhões de assinaturas, tendo uma grande campanha (inclusive com veiculação de peças publicitárias nos meios de comunicação) e uma grande comoção popular. Isso *por projeto*. Há inúmeros projetos de interesse da comunidade científica (e a visão é não lidar apenas com ciência, mas também com educação), seria preciso bastante esforço pra aprovar cada um deles - alguns talvez poderão ser juntados em pacotes, mas acho que não seria o caso por exemplo de um projeto para desburocratização de importação de insumos para pesquisa e um de garantir 10% do PIB na educação. Se a SBPC consegue atrair cerca de 10 mil pessoas em suas reuniões, para a Marcha pela Ciência foi bem menos que isso. A abordagem por projeto permite reunir pessoas temporariamente por interesses comuns e abordar diferentes públicos para diferentes projetos: é possível, assim, por exemplo, conseguir apoio para um projeto a respeito de liberação do cultivo de transgênicos de um lado e, de outro, um a respeito de controle de emissão de gases de efeito estufa - que, na população, o apoio a cada causa pode estar cindido em dois grupos divergentes. Para se manter de modo permanente um único grupo de pelo menos 7 milhões* - que possam, não apenas apoiar projetos, como ajudar a eleger representantes da comunidade científica e educacional ou com afinidades com essa comunidade - seria preciso ter ou um grande poder econômico como a bancada ruralista ou um poder de influência ideológica como a bancada da bíblia (que também tem um bom poder econômico), mais do que apenas uma boa comunicação. Ou precisaria fazer alianças - e daí concessões - com grupos que tenham tal poder ou capilaridade: aceitaria patrocínio da Fiesp? dos grandes pecuaristas e sojicultores? iria se aliar à CUT? à ICAR ou à IURD? (Não digo que as respostas a essas perguntas sejam necessariamente 'não'. Durante a Ditadura Civil-Militar, a SBPC contou com aliança estratégica com certos setores da ICAR. Apenas ressalto que a questão da concessão e alianças não são elididas apenas porque se opta por uma via que não a partidária.)

*Upideite(19/07/2017): Nos comentários Orsi diz: "Oi, Takata! Só um adendo: a taxa de 3,5% da população (7 milhões no Brasil) não seria o mínimo, mas o suficiente: a tese é que nenhum movimento pacífico que tenha mobilizado 3,5% ou mais da população de um país jamais falhou em atingir suas metas. Há movimento menores que também obtiveram sucesso."

Eu fico ainda com a expressão "pelo menos" ou, de modo equivalente, "no mínimo", já que mobilizações menores não garantem a transformação apoiada por esse contingente. Com menos, pode ou não ocorrer.

Um complicador é que esse movimento vai ser vencedor convertendo o restante a população (ao menos a parte com poder para garantir a mudança), mas e se há um movimento - até mais renhido em sua obstinação - oposto? Pautas científicas em vários pontos enfrentam resistência: vacinação, evolução, AGA... Não dá pra crescer facilmente em uma matriz que oferece pouca ou nenhuma resistência; deve haver algumas cotoveladas ao abrir caminho. Outro é o fator tempo. Ok, resistência pacífica for the win, mas... quando? Os cristãos levaram uns três séculos pra ganhar Roma. Mesmo que atingindo o limiartar de 3,5% garanta uma conversão instantânea, quanto tempo para se crescer até 3,5%? Não que tempo seja uma questão ausente em uma saída partidária - quanto tempo até conseguir eleger um representante? \Ou quanto tempo até ter uma bancada que faça alguma diferença? Por que tempo é premente? Só pra ficar em dois pontos em que tempo é crucial: AGA e revolução demográfica - a janela de tempo em que seremos capazes de alguma intervenção significativa para evitar o pior das mudanças climáticas está se fechando (não mais do que uma ou duas décadas); a revolução demográfica, com uma população mais envelhecida, também nos impõe um limite de tempo para criar condições necessárias de investimentos em ciência e educação, antes que questões como aposentadoria e gastos com doenças degenerativas ocupem um montante do orçamento público que diminuam o espaço para se aportar grana suficiente nos sistemas de CT&I e escolas públicas e universidades para mudar o nosso patamar de desenvolvimento.