quarta-feira, 7 de maio de 2008

Space quota exceeded

Tendo em vista o julgamento ora suspenso pelo STF do mérito das chamadas cotas (ou quotas) raciais estabelecidas pelo Prouni, voltou à baila a questão da legalidade/constitucionalidade das cotas (e outros mecanismos de políticas de ações afirmativas).

Enxergo muitos equívocos nesta discussão - em alguns círculos ainda nos prendemos a questões básicas (como a negação da existência de discriminação racial! - vide, por exemplo, o famigerado "Não somos racistas" de Ali Kamel, 2006, Ed. Nova Fronteira, 143 pp). Tantos equívocos que é difícil enumerar, mesmo classificá-los de acordo com a relevância...

Talvez uma das primeiras coisas a fazer é esclarecer o uso de termos.

*Racismo* (preconceito racial) é diferente de *discriminação*.

Discriminação
- Segundo a OIT (e vários órgãos e estudiosos de temas sociais), discriminação é:
"Qualquer distinção, exclusão ou preferência feita com base em raça, cor, sexo, religião, opinião política, nacionalidade ou origem social, que tenha como efeito anular ou dificultar a eqüidade de oportunidade e de tratamento em um emprego ou ocupação" (Artigo 1.1a)

No documento em que a discriminação é assim definida, os autores são explícitos em alguns pontos que são implicados por isso:
- *não* há necessidade de intenção nessa situação de discriminação;
- efeitos diretos e indiretos da discriminação são considerados;
- *não* há discriminação quando se adotam medidas especiais que procurem garantir a eqüidade de acesso aos recursos sociais e econômicos ou quando a distinção se baseia em necessidades especiais inerentes a uma dada ocupação (por exemplo, contratar especificamente atores brancos para viver Abraham Lincoln, ou contratar pessoas do sexo masculino para monitorar banheiros masculinos).

Preconceito
Já racismo, envolve preconceito, e preconceito é definido como:
"Atitude injustificada, em geral negativa, em relação a outras pessoas por pertencerem a um determinada categoria social ou grupo".

Isto é, o racismo é o preconceito baseado em raça.

(Note-se que preconceito como termo das ciências sociais tem pouco a ver com "pré-conceito", a disposição não precisa ser apriorística.)

Racismo
A OIT define assim, então, o racismo:
"Construto ideológico que designa a uma dada raça e/ou grupo étnico uma posição de poder sobre os demais com base em seus atributos físicos e culturais, bem como em sua riqueza econômica, envolvendo relações hierárquicas em que a raça dita superior exerce domínio e controle sobre as demais."

Reforçando, então, discriminação é a restrição do acesso a bens e serviços sociais e econômicos a um dado grupo social. Para haver discriminação não é preciso haver preconceito - uma opinião negativa em relação a um dado grupo social. Por exemplo, o dono de uma loja que impeça a entrada de negros porque a freguesia não quer, não está necessariamente sendo preconceituoso - está apenas agindo de acordo com interesses econômicos (que os fregueses continuem a freqüentar o estabelecimento), o dono pode ter a melhor opinião possível a respeito dos negros -, mas o efeito é que há discriminação - o impedimento do acesso baseado no pertencimento a um dado grupo social. E também pode haver preconceito sem discriminação. O dono de outra loja pode ter as piores opiniões a respeito de negros, mas desde que não impeça sua entrada e permanência na loja, não os trate de forma diferente a que trata fregueses não-negros, não há discriminação.

Outro termo que muitas vezes é mal compreendido pelo público é o de minorias.

Minoria
Minoria social é definida como:
"Grupo subordinado cujos membros têm controle e poder sobre suas vidas significativamente menores do que os membros de um grupo dominante (a maioria). Um grupo que passa por um estreitamento de suas oportunidades (sucesso, educação, riqueza, etc) que é desproporcionalmente baixa em comparação ao número de membros na sociedade."

Não está limitada à questão matemática, estatística, numérica, censitária. Um grupo minoritário pode ter efetivamente mais pessoas do que um grupo majoritário.

Raça
O conceito de raça nestas discussões é o de raça social e não raça biológica. Raça (social) é definida como:
"Grupo para o qual se assume que haja base biológica, mas que na verdade é definida de modo culturalmente arbitrário"

Isso significa que cada cultura tem sua própria concepção do que seja raça e que a inexistência de diferenças genéticas que impliquem em evolução distinta de linhagens (mas que ainda não produziram especiação) só permite dizer que não há raças biológicas (subespécie), não implica na inexistência de raças sociais - uma construção social.

Nos Estados Unidos, negro é quem é filho de negro (pai ou mãe) - não importa que seja branquíssimo. No Brasil, negro é quem tem a pele mais escura (e algumas características como cabelo naturalmente encaracolado, nariz mais largo, lábios carnudos e outros). Essa é a prática social. (Vide, por exemplo, Rocha e Rosemberg 2007.)

Ações afirmativas
A OIT assim define ações afirmativas*:
"pacote coerente de medidas, de caráter temporário, objetivando especificamente a correção da posição de membros de um grupo-alvo em um ou mais aspectos de suas vidas sociais, de modo a se obter eqüidade efetiva"

Destacam-se:
- o caráter *temporário* (até que o efeito esperado se complete);
- o objetivo é de inserção social dos membros do grupo atingido - não estão voltadas para combater o preconceito e sim a discriminação;
- como dito no tópico sobre a definição de discriminação, ações afirmativas *não* são discriminatórias - elas procuram *incluir* membros de um grupo excluído e não excluir membros de um grupo.

*Upideite(28/fev/2013): Link quebrado. Mas é a mesma definição é adotada pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas.

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