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Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos, chamada de ATEA, foi lançada em novembro de 2008. Conta com cerca de 160 membros e tem como presidente um amigo meu, Daniel Sottomaior (quem assiste à Luciana Gimenes na Rede TV! deve tê-lo visto algumas vezes por lá).
Inspirada em campanhas como o "
Ônibus Ateu", da jornalista britânica Ariane Sherine (encampada pela British Humanist Association), a ATEA lançou uma proposta
similar. A campanha da ATEA ganhou uma
reportagem do Terra.
Daniel é meu amigo, mas quem tem um amigo como eu não deve precisar muito de adversários.
Farei aqui uma crítica. Não tenho certeza se ela é construtiva.
1) Por que eu tenho um pé atrás em relação à ATEA? Ela nominalmente pretende representar ateus *e* agnósticos, mas no próprio nome fantasia, ela remete exclusivamente à "ateidade" (permita-me o neologismo para designar um caráter não necessariamente militante de quem é ateu) ou mesmo ao ateísmo (aqui referindo-se ao caráter do ateu militante).
1.1) Mesmo não sendo intencional - e não tenho a menor dúvida de que *não* é intencional - isso faz com que os agnósticos fiquem, não apenas em um plano inferior, mas funcionem simplesmente como uma escada: dar volume e emprestar uma maior representatividade ao movimento para um esforço que beneficiará quase que exclusivamente aos ateus.
1.2) Provavelmente, Sottomaior falou sobre os agnósticos na campanha, mas até pelo nome ATEA (e pela inspiração da campanha ateia britânica), ficou como uma campanha exclusivamente ateia.
2) "Enquanto isso, os ateus já traçam outros planos. Um deles é o Dia do Orgulho Ateu, a ser comemorado em 12 de fevereiro, data do nascimento do naturalista britânico Charles Darwin (1809-1882)". Canibalizar o Darwin Day para representar o ateísmo/ateidade é um grande desserviço em relação à compreensão da teoria da evolução pelos crentes - reforçando a identificação dela com o ateísmo e, o maior problema, anti-religiosidade. Essa é uma crítica que tenho em relação a Dawkins em obras como "
Deus: um delírio". (Dawkins não é um exemplo de relações públicas.) Aqui um texto interessante do jornalista Reinaldo José Lopes sobre
evolução e ateísmo.
3) "[...] os dos nossos *concorrentes*, a Igreja" - não tenho certeza a respeito da intencionalidade ou não, mas isso textualmente coloca a campanha e a ATEA como *anti*-clericais ou mesmo *anti*-religiosas. E não simplesmente arreligiosa (ou é a-religiosa na nova ortografia?).
4) "Usamos muitas analogias do movimento gay porque muitos deles acham que são a última minoria, mas somos nós." - sou testemunha de que Sottomaior *não* é homofóbico, muito ao *contrário* (não, ele mesmo não é guei, mas participa frequentemente de encontro e ações de defesa do direito LGBTT), mas esse trecho acabou soando como uma provocação desnecessária ao movimento guei.
5) "Pode ser até um representante no Congresso. 'Ele poderia propor projetos relativos ao ateísmo. Seria difícil ser aprovado, mas pelo menos traria a discussão', acredita Sottomaior." Esse trecho textualmente:
5.1) coloca a ATEA como exclusivamente a serviço do ateísmo/da ateidade;
5.2) propõe a ATEA como uma plataforma de poder;
5.3) legitima o uso da política como uma forma de beneficiar grupos religiosos - como a bancada dos evangélicos, etc.
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Sou plenamente favorável a que minoriais se organizem para lutarem por seus direitos. Mas se a ATEA se propõe a representar não apenas os ateus, como também os agnósticos, as ações e o discursos precisam ser
melhor mais bem calibrados. Sou agnóstico e não me sinto representado pela campanha, nem pela associação (sim, não sou membro): até pela definição que a ATEA
adota, incluindo os agnósticos como uma subcategoria de ateus.