quarta-feira, 9 de junho de 2010

Voto: direitos e deveres

A propósito da pesquisa do Datafolha sobre o apoio ao voto obrigatório, Hélio Schwartsman acertou em cheio com esta observação: "Na verdade, trata-se de um 'non sequitur' a ideia de que o sujeito está preparado para escolher o dirigente máximo da nação, mas não para decidir se vai ou não depositar seu voto na urna."

Voto é um direito, não um dever. Como na frase espirituosa: "O melhor modo de estragar uma diversão é transformá-la em uma obrigação".

Também estou com Schwartsman acerca da lei da Ficha Limpa. Tirar da mão da população e colocar nas mãos dos juízes o julgamento sobre a aptidão ou não de um candidato - ainda que de modo parcial - é bisonho. Mais bisonho ainda se lembrarmos que a lei partiu de um dos raros projetos de lei de iniciativa popular. É a população reconhecendo que não sabe votar... "Não liberem candidatos fichados, pois corremos o risco de elegê-los. Salve-nos, ó, Príncipe Encantado."

Considerando-se ainda o caráter conservador do brasileiro: p.e. são de direita (média de 4,7 em escala de 1 - à esquerda - à 7 - à direita) e são contrários à adoção por casais homossexuais (51% contra, 39% a favor), não me estranha a baixa adesão à democracia (em 2008, apenas 47% dos brasileiros pesquisados pelo Latinobarometro assinalaram que a democracia é preferível a outras formas de governo - muitos assinalaram que em certas circunstâncias, um governo autoriário é melhor) e a defesa da pena de morte (os valores variam com os anos, mas uma média de 50,5% são a favor e 43,25% são contrários - na pesquisa mais recente, os valores são 47% e 46%), em 2006, 63% eram contra o aborto, 79% contra a legalização da maconha e 84% favoráveis à redução da maioridade penal (51% a favor da pena de morte e 42% contra).

Não que ser de direita signifique necessariamente o apoio a esses institutos ou a baixa adesão à democracia - muitos direitistas são democratas (não estou falando dos demistas) convictos. Mas é o conservadorismo que traz tudo isso embutido. Costurada por uma alta religiosidade: em 2007, 97% acreditavam em deus (incluindo, pasme, parte dos que se declaram ateus) - não estou tampouco dizendo que ser religioso é o mesmo que ser conservador (e muito menos antidemocrático ou pouco interessado na democracia). Em maio deste ano, 86% dos brasileiros acham que pagam impostos demais e a maior parte acha que os serviços públicos são ruins (37,8% contra 37,5% que acham regular e 18,8% que são bons - esses valores variam no tempo)

Mas isso se casa com a aceitação do intervencionismo do governo em diversos assuntos pessoais - desde que, é claro, não seja na vida do entrevistado. É um namoro perigoso com o estado autocrático.

Há uma ironia forte embutida nesses dados. O brasileiro médio acha que o governo é incompetente em gerir seu dinheiro, mas acredita que possa ser competente em decidir sobre quem vive ou não ou em que se pode ou não votar. Como impostos incidem sobre todo mundo, é fácil sentir seus efeitos no próprio bolso. Mas a pena de morte, julgam, atingirá somente o outro - um bandido provavelmente - e não cuidam que pode condenar inocentes de modo irreparável (incluindo a eles mesmos ou a seus familiares). Essa é a face do conservadorismo: um egotismo nervoso - "eliminem o que me prejudica, mas eu não quero pagar os custos disso; quem me incomoda deve ser afastado, mas eu quero poder fazer o que eu quiser".

(Existem várias outras ironias. Na situação atual, considera-se um jovem de 16 anos apto para eleger presidentes, mas não para digirir - ou ser penalmente responsabilizado; por outro lado - e por enquanto é apenas descrença pessoal, não tenho números para apoiar essa ideia - duvido que, ao defender a redução da maioridade penal, o brasileiro pense em aumentar concomitantemente os direitos civis dos menores - como direito de se candidatar, dirigir, se casar sem pedir autorização dos pais...)

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