quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

O corte do orçamento federal em C&T

Claro, não é uma notícia bonita. Mas, a respeito do corte (ou contingenciamento) anunciado de R$ 1,7 bilhão, precisamos ver quais seriam as alternativas.

A comunidade científica (ou parte dela), como não poderia deixar de ser, criticou a medida.

Partindo-se da premissa de que nenhum governo - especialmente um de espectro de esquerda - gosta de sair cortando verbas a torto e a direito, qual a racionalidade do corte?

O contingenciamento total anunciado é de 50 bilhões de reais - necessário para evitar uma pressão inflacionária (do contrário, o governo apertaria ainda mais na arredação - isto é, aumentaria os impostos). Uma alternativa ao corte seria, por exemplo, o aumento dos juros. Mas isso significaria também um aumento posterior nas despesas do governo.

É uma discussão que necessita uma análise mais sofisticada do que ser simplesmente contra ou a favor. Mas diante da possibilidade de desarrumação da economia via inflação (que corroi poder de compra - especialmente dos mais pobres) e/ou de um choque de juros (que encarece o crédito - e, de novo, a conta sobra principalmente para os mais pobres), um corte duro agora para salvaguardar um ritmo de crescimento mais longo é defensável.

Definida a necessidade (e o tamanho) do corte, a pergunta: onde cortar? A proteção dos projetos sociais como o Bolsa Família me parece acertada (acho que não preciso lembrar a ninguém que não sou economista); também o investimento em infraestrutura (o PAC): um dos gargalos diagnosticados para o crescimento. Vai sobrar pro resto. Claro, aí fica a questão da divisão: quais áreas restantes vão sofrer que grau de corte?

Parte grossa do corte vai para as despesas das emendas parlamentares - as indicações de gastos feitas pelos congressistas (em muitos casos com uso eleitoral - beneficiando suas bases com um hospital, uma escola nova, um programa qualquer que traga dinheiro à região em que vivem seus eleitores). Mas o baque de 3,4% do total jogada na conta de C&T é forte.

Sou dos que defendem (sim, meu viés - que não de formação, não sou defensor das ciências por ser cientista, sou formado em área de ciências, entre outras coisas, por ser um entusiasta das ciências) o investimento maciço em C&T - até por serem um dos motores do desenvolvimento econômico e social do país (reconhecidas como tal pela presidente/a Rousseff), então, claro que eu acho uma notícia ruim. De outro, como discorri acima, compreendo a necessidade. Se surtir o efeito desejado de conter a inflação e permitir a continuidade do crescimento econômico do país - com a retomada do crescimento do investimento federal em C&T - terá sido, ok, imagem batida, um remédio amargo, mas que terá valido a pena.

A dúvida com que fico é se não teria sido possível um corte menor em C&T. De todo modo, parece-me que seja um choque parcialmente absorvível - há gordura de eficiência que se pode queimar (isto é, aumentar a racionalidade dos gastos). P.e., passando o projeto que facilita a importação de insumos para pesquisa, poderia implicar em redução substancial de custos (menos material seria perdido, os cientistas não precisariam optar por soluções mais caras...). As universidades ainda não funcionam com eficiência econômica possível, bem longe disso, há desperdícios em várias frentes: a começar por perda de água (vazamentos, mau uso de sanitários, irrigação desregulada...), de energia elétrica (instalações mal-feitas, equipamentos desregulados, luz largada acesa...), conta telefônica (especialmente ligações particulares a longa distância): dá, sim, para se reduzir os gastos em 3,4% ou até mais somente com aumento de eficiência. Mas não deve chegar aos quase um quarto do orçamento inicial para a área.

Menos defensável é o contingenciamento na Educação. Deveria ser protegida tanto quanto a área social.

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