terça-feira, 17 de janeiro de 2012

O estrupo* no BBB12

Esse alvoroço a respeito da cena na cama entre dois integrantes do Big Brother Brasil 12 tem trazido alguns aspectos muito perigosos na argumentação.

Acertadamente, vários já criticaram as barbaridades machistas da justificação de um estupro de vulnerável e, mais amplamente, de violência contra as mulheres. Do outro lado, há a alegação de que há racismo na acusação.

Outro ponto deplorável é a condenação prévia, a execração pública de um fato não esclarecido. Houve mesmo estupro?

Os capítulos I (artigos 213 a 216A) e II (artigos 217 a 218B) do Título VI do Código Penal versam sobre os crimes sexuais. Antes de mais nada é preciso que se estabeleça que tenha havido sexo (conjunção carnal) ou ato libidinoso (como manipulação de partes íntimas). O vídeo mostra movimentação sob o edredon, mas isso é apenas sugestivo. Não sabemos o que houve. O acusado diz que houve apenas beijos (visíveis no vídeo) e passada de mão (a depender de onde poderia ser caracterizado ato libidinoso, mas a própria virtual vítima diz que isso foi feito reciprocamente).

Aparentemente não houve violência ou grave ameaça, então o artigo 213 (estupro) não se aplicaria. Não houve aparentemente fraude ou uso proposital de meio que dificultasse ou impedisse a livre manifestação da vontade da vítima, assim, o artigo 215 (violência sexual mediante fraude) também não se aplicaria. Não se trata de assédio sexual por não envolver relações de hierarquia de cargo (artigo 216A). Os artigos 214, 216, 217 estão revogados.

O 218 (corrupção de menores) não é o caso por não se tratar de menor de 14 anos. O 218A não se aplica por não envolver sexo na presença de menor de 14 anos. O 218B (favorecimento de exploração sexual de vulnerável) também não por não ser caso de prostituição, nem de menor de 18 anos.

Restaria o 217A, caso tenha havido sexo ou ato libidinoso não consensual. O artigo (estupro de vulnerável) prevê os seguintes casos: sexo com menor de 14 anos (não é o caso), enfermidade (não é o caso), deficiência mental (não é o caso) ou alguma outra causa em que a vítima não possa oferecer resistência - seria o álcool.

Pelos trechos publicados das falas da suposta vítima, se houve sexo, não foi consensual. Porém, mesmo que tenha havido sexo não consensual, pode ser o caso de não se tratar de estupro de vulnerável se o perpetrador do ato também estivesse sob influência alcoólica que houvesse diminuído sua capacidade de discernimento - a menos que o uso do álcool para a facilitação da prática do sexo tivesse sido intencional (o que não é o caso - a bebida foi ingerida durante festa promovida pela produção do programa).

Diz o Código Penal em seu artigo 28, inciso II:
"Art. 28 - Não excluem a imputabilidade penal:
II - a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos.
§ 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
§ 2º - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento."

Ou seja, não sabemos nem ao menos se houve agressão. E, se houve, é possível que o acusado seja inimputável.

Um crime, no entanto, que pode ter ocorrido é o de calúnia (art. 138), caso o acusado não venha a ser condenado em decisão de corte transitada em julgado, por parte dos que saíram a gritar: "estuprador". Claro que o estupro é um crime terrível e se entende, por isso, a comoção, mas o código penal exclui paixão e emoção como desculpas para crimes (art. 28, inc. I) - incluindo os de calúnia e injúria.

Que o caso seja devidamente investigado e apurado. E, *se* se houver cometido crime, que o(s) responsáveis seja(m) devidamente punido(s).

O que não posso deixar de notar, porém, é a estranhíssima atitude da Rede Globo. Na edição de segundadomingo, nada foi dito a não ser "o amor é lindo" pelo apresentador Pedro Bial, após a exibição editada das cenas polêmicas. Na terçasegunda-feira a produção do programa decidiu por expulsar o participante acusado por "grave comportamento inadequado".

"Lindo" é um tanto antitético em relação a "grave e inadequado", não obstante, o que pega é a produção afirmar que "[d]esde domingo de manhã, a direção avalia o comportamento de Daniel, suspeito de ter infringido as regras do programa". As questões são:

1) por que os participantes e o público não foram avisados, então, que havia um participante sob observação?
2) por que os participantes não foram isolados - se havia potencial de comportamento inadequado grave, não haveria risco na exposição dos demais?
3) a Globo, ao perceber o potencial do problema, deu à participante, suposta vítima, todas as informações necessárias para que ela pudesse dar os necessários esclarecimentos? (Isto é, foi mostrado o video à participante para que ela pudesse dizer até onde as ações foram consentidas e a partir de que momento - se houve algum - deixaram de ser?)
4) a Globo acha adequado dizer apenas que se trata de um "grave comportamento inadequado", deixando a suspeição de algo realmente grave (crime de estupro de vulnerável) sobre uma pessoa?


*Obs: Existe, sim, na língua portuguesa a palavra 'estrupo', mas com o significado de 'tumulto, ruído, alvoroço'.

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