quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Zero tom de verde - capítulo 16


Esta é uma obra de ficção. Qualquer coincidência com a realidade será mera semelhança.

(Capítulo 1 aqui.) (Capítulo 15 aqui.)
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"Não é meio tétrico isso?"

"O quê?"

"Esse diamante. As cinzas de George."

"Ah, eu acho fofo."

"Posso ver?"

"Claro."

Flora retesou os dedos espalmando a mão direita com o dorso para a frente exibindo a diadema.

"Não. Posso pegar?"

Flora não recebeu bem o pedido de Solange.

"É o George aqui comigo."

"Que isso, Flora? Não é uma competição..."

Flora semicerrou um dos olhos, levantando a sobrancelha de outro e deixou os dentes à mostra da metade esquerda da boca.

"Ok. Tá. É uma competição. Mas uma amistosa.... Né?"

"Não sei. Me diga você."

Solange se emburrou. Virou-se na cama ficando de cara com a parede.

"Sô?"

Nenhuma resposta. Apenas o leve ruído do sopro do ar condicionado. À altura daquele andar, nem mesmo se não houvesse todo um sistema de isolamento acústico em todos os apartamentos do hotel, o som das ruas lá embaixo se faria ouvir.

"Não se preocupe com as dívidas no cartão, Sô. Eu vou pagar. Pago tudo."

Zzzzzzzzzzzzzzzzz vibrava o vento fresco do condicionador.

"Sô, não vou deixar vocês na mão."

Solange arregalou os olhos. Flora sabia. Mas como? Claro, a fatura do cartão. Exames, enxoval, mobiliário e... fraldas, muitas fraldas. Ela se virou lentamente. Mas Flora não estava mais lá, na outra cama.

Flora recostara sua testa levemente contra o espesso vidro da janela. Lá embaixo tudo parecia tão pequeno. Até as pesadas máquinas que removiam os destroços das moradias soterradas pela encosta que desabara. Preocupava-se, sinceramente, com as vidas dos moradores do morro. Eles haveriam de ser realocados para um conjunto habitacional a ser erigido em terreno plano, com água, luz e esgoto que a GC Foods financiara como parte dos acordos com a prefeitura para a cessão do terreno ocupado por aquela comunidade ora destroçada. Havia o inconveniente de as novas moradias serem em uma região mais afastada do centro, mas o prefeito garantira a criação de uma nova linha de ônibus a ser licitada em alguma data futura. Por enquanto, as famílias seriam alojadas provisoriamente em uma escola. Não era um local confortável, no ginásio não havia privacidade certamente; infiltrações e baratas (diriam, também, ratos), por outro lado, não faltavam. Mas a GC Foods forneceria mantimentos – lotes rejeitados pelos padrões de qualidade, mas, garantiam os técnicos da empresa, perfeitamente apropriados para consumo humano.

Solange se aproximou e se postou ao lado de Flora, colocando também a ver as formiguinhas ao solo. Flora mirou a barriga de Solange à mostra sob a camisola aberta.

"Posso ver?"

"Claro."

Solange colocou as mãos sobre o abdômen, deslizando-as para os flancos, como se estivesse a limpar o terreno.

"Não. Posso pegar?"

Solange cerrou a camisola.

"É o George aqui comigo."

"Que isso, Sô? Não é uma competição..."

Quarenta e dois segundos e vinte e sete centésimos de impasse silencioso. Quase ao mesmo tempo devem ter concluído pela infantilidade da situação. O semblante fechado de uma cedeu ligeiramente, o que logo se sucedeu com a outra. Em uma alça de retroalimentação, cada diminuição do estado de animosidade despertava um maior sentimento de apaziguamento na outra. Em três segundos já trocavam um aberto sorriso. As mãos se estenderam em quatro segundos. Seguravam-se em quatro segundos e cinquenta e oito centésimos. Mais dois segundos e trinta e três centésimos e Flora e Solange abraçavam-se, competindo entre si por quem mais chorava que a outra.
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