quinta-feira, 5 de junho de 2014

Crise na USP: por que desconfio que cobrança de mensalidade não é a panaceia

Não sou contra a tese de cobrança de mensalidade em IES públicas. Já fui terminantemente contra, mas tendo a achar justo que, os que podem contribuir, paguem mensalidades.

A instituição de universidades públicas pagas não é uma tese nova. Já rolava no tempo de minha graduação nos anos de 1990, durante os governos de FHC. Volta à tona com a agudização da crise financeira da USP e das outras estaduais paulistas.

Sabine Righetti, em seu blogue Abecedário, na Folha, sugere que a cobrança pelos cursos tiraria a principal universidade brasileira do vermelho. Eu sou bem reticente quanto a isso.

Reconhecendo o vespeiro que seria instituir a cobrança pelos cursos de graduação, ela diz que se poderiam cobrar pelos cursos de especialização ("Mas, ok, deixando a graduação de fora da matemática. Por que não cobrar da pós-graduação?") - as empresas em que os alunos estudam poderiam bancar os custos. Bem, não vejo essa valorização toda pelas empresas por cursos de pós lato sensu - há não poucos casos em que os alunos precisam brigar ou implorar muito para o patrão para poderem cursar as especializações. Mas digamos que essa questão seja superável.

Há, em 2014, 19 cursos de especialização/MBA na USP - todos pagos - com 1.378 vagas. Se forem cobrados uma média de 30.000 BRL de anuidade por aluno, isso corresponderia a uma receita de 41.340.000 BRL. Respeitável, mas bem longe de cobrir um déficit orçamentário na casa dos 400 milhões BRL. Para que a pós lato sensu desse conta, ela teria que ser expandida pelo menos 10 vezes - a própria expansão geraria custos (instalações, docentes, burocracia, material de consumo) - e desviaria substancialmente a USP de suas funções como universidade pública. Uma alternativa seria cobrar anuidades mais substanciais. Mas haveria procura? Não estou dizendo que seja impossível, apenas apresentando algumas das dificuldades dessa proposta.

Um dos problemas dessas propostas de soluções de problemas reais - e isso vale para qualquer área de questões de políticas públicas - é o excesso de idealizações.

E quanto à graduação? Em 2009, só 13,52% dos alunos ingressantes eram das classes A/B. Projetando essa proporção para o universo de  92.064, serão algo como 12.500 alunos. Cobrando uma anuidade média de 30.000 BRL, seriam 373.411.584 BRL. Suficiente para cobrir o rombo atual.

O problema é saber se essa elite continuaria nas estaduais paulistas sendo que haveria a possibilidade de tentarem outras IES públicas gratuitas - estaduais de outros estados e as federais. Ou mesmo para IES privadas de reputação relativamente boa, mas mais baratas.

A cobrança de mensalidades nas IEES paulistas depende também de emenda da Constituição do Estado*.
"Artigo 52 - Nos termos do art. 253 desta Constituição e do art. 60, parágrafo único do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal, o Poder Público Estadual implantará ensino superior público e gratuito nas regiões de maior densidade populacional, no prazo de até três anos, estendendo às unidades das universidades públicas estaduais e diversificando os cursos de acordo com as necessidades sócio-econômicas dessas regiões." (grifo meu)

Enfatizo que, como disse antes, não sou contrário à cobrança de mensalidades. (Elas serviriam justamente para equalizar os subsídios - a gratuidade do ensino superior. Se o corte socioeconômico mais alto quiser utilizar o serviço, deve pagar a taxa - mensalidade. Se não quiser pagar a taxa, abre espaço para o público para quem o subsídio deveria ser voltado.) Boto minhas barbas de molho quando elas são apresentadas como a salvação da lavoura.

Parcerias com empresas para pesquisas? Ok também. Mas haveria demanda suficiente? Com todos os programas de incentivo - inclusive com financiamento a fundo perdido - os investimentos em P&D nas instituições privadas são menores do que os investimentos públicos. E outro: como evitar que a dependência por investimentos privados nas pesquisas não distorcesse (ainda mais) toda a pesquisa quanto a suas prioridades? P.e. é notório que a questão da pouca pesquisa em doenças tropicais negligenciadas é fruto do desinteresse comercial por parte da Big Pharma e dos países industrializados. Como convencer empresas privadas a investirem na pesquisa historiográfica dos séculos 16 a 19?

Um perigo real dessas fontes independentes de financiamento das universidades é que os governos reduzam, por outro lado, o repasse das verbas. Isso ocorreu quando da instituição do IPMF - depois CPMF - para destinação à saúde. Inicialmente, Adib Jatene capitaneou a aprovação do dispositivo fiscal para *aumentar* a verba total investida na saúde. Mas a área econômica, espertamente, retirou o aporte orçamentário, descompensando o que seria ganho com a CPMF.

Uma coisa curiosa de se notar é que um dos argumentos contrários a um aumento da dotação orçamentária das estaduais paulistas pelo aumento da alíquota do ICMS destinada a elas - de 9,57% atuais para 11,6% - é que não adiantaria nada, já que o problema é a má administração. É um argumento correto, mas parcial. Sim, é preciso uma administração eficiente dos recursos; porém é parcial quando não se considera que as demais alternativas apresentadas: cobrança de mensalidades, estacionamento, loteamento dos espaços pra exploração pela iniciativa privada, etc. também seriam inúteis diante de má gestão orçamentária.

Mas mesmo com uma boa administração o orçamento das universidades estaduais (e outras públicas) *precisa* ser expandido. Os salários estão defasados (a própria Folha noticiou como é complicado encontrar docentes em certas áreas pela concorrência com a iniciativa privada) - fora outros investimentos que precisam ser feitos (muitos prédios estão caindo aos pedaços e necessitam de reforma e expansão; novas vagas precisam ser criadas; laboratórios precisam ser modernizados...).

Podemos (e devemos), sim, discutir as soluções para a crise, inclusive a instituição de mensalidades. Mas essa discussão precisa ser feita em base realista. Sem criar barreiras imaginárias intransponíveis para as alternativas de que não se gosta, ao mesmo tempo em que se ignoram as dificuldades das propostas que se defende.

*Upideite(07/jun/2014): Seria preciso emendar também a constituição federal, já que o inc. IV do art. 206 prevê: "IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais".

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