segunda-feira, 14 de julho de 2014

Terrível simetria

Parte das feministas (e não apenas elas) aplicam mal o conceito de falsa simetria. (Não sei a proporção. São pelo menos quatro casos.)

A falsa simetria ocorre quando se desconsidera a desigualdade existente entre um conjunto X de condições de A e de B para aplicar o mesmo tratamento em relação a essas condições. Por exemplo, falar que, como a mulher se aposenta com 60 anos, os homens também deveriam poder se aposentar com essa idade e não com 65 - ignorando que a aposentadoria mais cedo compensa parcialmente a desigualdade nas condições de trabalho: menores salários e dupla jornada, p.e.**

Quando se propõe tratamento igualitário para condições Y de A e de B, em que não há desigualdade sensível, não há que se falar em falsa simetria. P.e., se os homens podem gostar de sexo casual, as mulheres também podem ('poder' no sentido moral).***

O que algumas feministas parecem entender é que falsa simetria se refira à toda igualdade de tratamento proposta com base na extensão ao homem do direito/privilégio/estado dado à mulher. Se invertermos o exemplo acima: "Se as mulheres podem gostar de sexo casual, os homens também podem" - para essas, soa como uma falsa simetria.

Esse exemplo acima é hipotético, mas o seguinte é verdadeiro. Comentei jocosamente no twitter que, na Copa do Mundo de Futebol Feminino ano que vem, as mulheres irão comentar sobre esquemas táticos e habilidades das jogadoras, enquanto os homens irão falar de coxas e quadris. Pra quê? Virei machista (o que, a propósito, declaradamente eu sou*).

Claro, há pressuposições ocultas. Por exemplo, que a brincadeira acima assume que as mulheres só falem sobre coxas e traseiros dos jogadores e não sobre esquemas táticos e desempenhos. Não há nenhuma suposição quanto a isso acima. Quer dizer, supuseram que eu supus. Ótemo.

Outra pressuposição: que implica que as mulheres não tenham o direito de falar sobre a beleza masculina. Novamente, nenhuma suposição como essa lá em cima.

A pressuposição existente e que, aparentemente, não foi percebida é: há um discurso condenatório quanto à objetificação da mulher pelo homem quando este manifesta seu agrado pela beleza física feminina. Até aqui é uma crítica aceitável. Porém, surge um contrassenso quando, por parte de quem tem tal discurso, fazem-se observações de mesma natureza em relação aos jogadores. Não há, aqui, uma falsa assimetria quando se observa que: "então os homens não podem apreciar a beleza feminina, mas as mulheres podem [apreciar a dos homens]?" Não há uma desigualdade na condição humana que permita que um gênero possa ser objetificado e outro não.

A contradição também pode ser desfeita com um discurso mais liberal - em um sentido, menos moralizante: "é ok os homens falarem da beleza das mulheres, desde que as mulheres também possam fazer isso em relação aos homens". O que implica no vice versa: "é ok as mulheres falarem da beleza dos homens, desde que os homens também possam fazer isso em relação às mulheres".

*Vide a observação ao pé do texto aqui.

**Upideite(15/jul/2014): Ou seja, temos as condições X (trabalhistas: salário, jornada); A, digamos, mulheres; e, portanto, B homens. E X_A ≠ X_B (há assimetria). E temos um elemento relacionado a X, aposentadoria (x). Se queremos que X'_A = X'_B (igualdade aqui denotando equivalência), não adianta que, em: X_A + x_a = X'_A e X_B + x_b = X'_B, x_a e x_b sejam iguais (simétricos). x_a e x_b precisam ser antissimétricos; os desiguais precisam ser tratados de modo desigual para restaurardesfazer a desigualdade. Naturalmente o tratamento deve ser no sentido de reduzir a desigualdade, não de aumentá-la.

***Upideite(15/jul/2014): Ou seja, temos as condições Y (direito à liberdade sexual); A, mulheres, e B, homens. E Y_A = Y_B (há simetria). E temos um elemento relacionado a Y, prática sexual (y). Se queremos que Y'_A = Y'_B, com Y'_A = Y_A + y_a e Y'_B = Y_B + y_b, naturalmente, y_a tem que ser igual a y_b (simétricos).

sábado, 12 de julho de 2014

Algumas observações quanto à redução da maioridade penal

Continua a toda a campanha pela redução da maioridade penal (tem até político infringindo a lei e fazendo campanha eleitoral antecipada com a desculpa sobre um plebiscito temático). Já falei antes que não considero essa discussão algo a ser proscrita, mas, em sua maior parte, ela tem sido dirigida para um apelo emocional que distorce as coisas.

Uma das peças dessa campanha diz: "Ao menos quatro entre cinco brasileiros concordam com a redução da maioridade penal para 16 anos. Por quê, então, ainda estamos reféns desses marginais precoces?" (Ainda por cima ignora que a mudança, legalmente, não é nada simples. A menoridade penal até os 18 anos é um dos direitos e garantias individuais, na interpretação de vários juristas, é uma das cláusulas pétreas, portanto não sujeitas a mudanças por emendas constitucionais - seria preciso uma nova constituição.)

Comentei rapidamente sobre a questão (a respeito de menores psicopatas), retomo o tema listando alguns pontos de meus pensamentos.

1) Pensando com meu fígado, eu queria ver menor infrator tudo na cadeia - já fui assaltado por trombadinhas noiados;
1b) Mas é com o fígado, desejo de vingancinha.

2) Tem ainda um bocado de hipocrisia: uma boa parte (a maioria?) dos que defendem redução da maioridade penal, pensa só exatamente nesses trombadinhas.
2b) Quando é mauricinho de classemédia que mata um índio queimado, que agride pelas costas com lâmpada fluorescente quebrada alguém que acha que é homossexual, a conversa tende a mudar de figura: "são só crianças, estão arrependidas, não farão isso de novo"...
2c) O que a Veja dizia quando eram adolescentes de classemédia que pmataram o pataxó Galdino:
"Qualquer pessoa honesta com seus sentimentos sabe que, diante de um crime brutal, às vezes o que se deseja não é justiça mas a vingança, que dá satisfação imediata, alivia e até repara a dor sentida. Mas a Justiça não é isso. Ela existe para que as partes sejam ouvidas, os fatos examinados e, por fim, um juiz, no silêncio de seu gabinete, dá uma sentença de acordo com a lei e com sua consciência. É fácil pedir punições exemplares  especialmente quando se trata dos filhos alheios. Também é agradável empolgar-se com o clamor popular  a dificuldade é que, muitas vezes, se clama pelas causas erradas, ou mesmo por penas injustas, ou até pela condenação de inocentes, como ocorria no Brasil nos anos do regime militar. 'Um juiz não pode viver numa redoma, alheio à realidade da sociedade em que vive, mas também não pode julgar pelo clamor popular', diz um ministro do Supremo. 'Julgar pelo clamor popular é o mesmo que linchamento.'"
2c.ii) Quando um universitário foi morto por um adolescente pobre, a mesma Veja disse que a maioridade penal é um dogma que precisa ser derrubado.

3) Só vou achar que a defesa da redução da maioridade penal não é uma hipocrisia quando:
3a) Defender a redução não só para os pobres e pretos; mas também para filhos adolescentes e/ou pré-adolescentes de brancos e ricos;
3b) Não incluir apenas a redução da maioridade penal, mas geral - civil (casamento, empresa, habilitação para dirigir, permissão para compra e venda de bebidas alcoólicas e fumígeros, etc.), sexual (vão querer mesmo abrir mão da legislação anti-pornografia infantil?), trabalhista (se bem que tem gente louquinha pra que a legislação contra o trabalho infantil caia), político (sair pelo menos para vereador), etc, etc.

4) Óbvio que continuarei contrário à redução da maioridade (penal e geral), mas reconhecerei que não estarei diante de um hipócrita.
4b) Minha argumentação básica é a seguinte: a redução da maioridade penal passa por atribuir ao infrator discernimento suficiente sobre seus atos (condição necessária para a imputabilidade), mas se tem consciência suficiente a respeito de suas próprias ações, decorre que todos os demais vetos que visam proteger os menores justamente por supostamente não terem plena posse de capacidade de julgamento sobre sua própria vida não fazem sentido: os menores têm capacidade para julgar se devem ou não beber, fumar, prostituir-se, participar de filmes pornográficos, abrir empresa, casar e constituir família...
4c) Aceito argumentações baseadas caso a caso em exames psicológicos sobre a capacidade individual de discernimento.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Goodbye Blue Monday*

"John Peacock inspirou fundo. Enquanto agitava furiosamente os dados entre as suas mãos, mantinha os olhos fixos em seu oponente. No momento em que sentiu que o adversário desviou o olhar, lançou os cubos sobre o feltro verde da mesa.
Olhos de cobra! Exatamente o valor que precisava.
Peacock sagrava-se o mais jovem campeão de lançamento de dados na história da competição. Derrotando nada menos do que Anthony "Lucky" Lewis, o único bicampeão da modalidade.
O caminho de Peacock não foi fácil. Nas semifinais havia vencido Edgar Pierre Lablond, representante da forte equipe francesa - que já havia emplacado um semifinalista ano passado. Nas quartas despachara a surpresa do torneio, o tailandês Kopi Luwak, estreante no Campeonato Mundial de Cubopédio e que, nas oitavas conseguira uma vitória inesperada sobre o campeão de três anos atrás: Jürgen Weisz.
A saga de Peacock reflete muito de sua própria trajetória de vida. Campeão improvável em seu colégio, custou a conseguir um patrocínio para alcançar as prévias regionais - ninguém apostaria em um estreante e completo desconhecido. Mas uma bem sucedida campanha no LulzYourKe$h - site de crowdfunding - permitiu-lhe amealhar dinheiro suficiente para sua preparação para o campeonato nacional - onde obteve o índice para o mundial.
'O segredo está todo nos punhos', revela o novo campeão. Seu treinador, Carlos LaSalle, mostra um profissional esforçado: 'Ele faz pelo menos 200 lançamentos todos os dias.' Essa dedicação chegou a ameaçar a carreira do atleta: um princípio de tenossinovite quase o incapacita para a atividade. Passou por intensa terapia durante seis meses valendo-se de um polêmico tratamento à base de pomada de ervas e meditação.
Isso também parece ter marcado muito Peacock, que, já recuperado, continuou a praticar a meditação.
'Ele mentaliza as jogadas', diz o especialista em cubopédio, Mark Shagall. 'Aquela inspirada característica que ele dá antes do lance faz parte do processo de visualizar o resultado.' A intimidação do adversário pelo olhar fixo de lince também serve para desconcentrar o rival. 'O poder mental dele é muito alto', reconhece Weisz, que já havia enfrentado Peacock em outra seletiva.
Mas não é apenas a técnica e a mente que faz o campeão. Sua nutricionista, Edna Macendale, diz que a alimentação balanceada também é fundamental para que Peacock possa obter bons resultados: 'A competição é um momento de grande estresse, e o corpo necessita de muita energia. Também a dieta deve fornecer muito potássio para a concentração mental.'
LaSalle também passa dicas sobre os adversário que irá enfrentar: 'Se o adversário tem a tendência de fazer o lançamento dos dados com a mão direita, é bom que Peacko observe bem e faça o lançamento pelo lado oposto para equilibrar o jogo.'
Apesar de ser considerado um azarão, Peacock certamente não chegou ao topo por acaso. Ele se preparou muito durante toda a sua vida profissional. Estamos provavelmente presenciando uma nova hegemonia no esporte."
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Subtítulo de novela conhecida como "Breakfast of Champions" de Kurt Vonnegut, 1973.