sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Analfabetismo Miojal

Quando até fazer *miojo* é visto como algo que deve ser paulofreirizado, começo a entender receita de miojo em redação do ENEM...

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Sério, pra ensinar a fazer miojo é preciso ressignificar o miojo na vida cotidiana das pessoas... Provavelmente também tem que eliciar questionamentos a respeito da organização social que permite que se obtenha o miojo nas vendinhas e a questão da distribuição de renda que impede que todos tenham acesso ao miojo. Claro, na transdisciplinaridade, discutir o teor de sódio e calorias vazias do produto e as implicações sobre a medicalização na sociedade contemporânea.

Imagino que pra ensinar a fazer miojo *de verdade* tenha que ser assim, então:
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Miojo 101: Introdução Epistemológica e Funcional da Miojocidade na Sociedade Pós-Industrial Ocidental, uma Análise Pós-Conceitual da Ritmicidade Neocapitalista
NATUREZA. Semestral. PERÍODO. 16° semestre.
PRÉ-REQUISITOS. História dos Alimentos 4; Sociologia 6; Cálculo 2; Séries e Equações Diferenciais 2; Termodinâmica 2; Engenharia de Materiais 1; Nutrologia Básica; Nutrologia Avançada; Fisiologia Humana 2; Operações Unitárias; Direito Romano 2; Psicologia e Psicopedagogia 4; Polímeros 3; Direito do Consumidor 2; Ecologia 4; Antropologia 4; Física 6; Tópicos Avançados de Cosmologia 2; Física Quântica 3; Geografia Humana 5; Economia Doméstica 3; Microeconomia 7; Microbiologia 3.
CARGA. 90h; TEÓRICA. 30h; PRÁTICA. 60h.
EMENTA. Preparo de macarrão instantâneo no ambiente doméstico. Variações de preparo do macarrão instantâneo no ambiente doméstico. História do preparo do macarrão instantâneo. Saquinho ou cup noodles? Possíveis aplicações comerciais de habilidades de preparo de macarrão instantâneo. Problematização do preparo do macarrão instantâneo. Avaliação organoléptica do produto do preparo do macarrão instantâneo no ambiente doméstico. Relações familiares e o preparo do macarrão instantâneo. Tópicos atuais do preparo do macarrão instantâneo.
AVALIAÇÃO. 4 testes discursivos (peso 3); prova prática 1 (peso 5); prova prática 2 (peso 5).
PRESENÇA MÍNIMA OBRIGATÓRIA. 75%.
NOTA MÍNIMA PARA APROVAÇÃO. 7.
BIBLIOGRAFIA OBRIGATÓRIA.
Caldwel. 2002. The Taste of Nationalism: Food Politics in Postsocialist Moscow. DOI: 10.1080/0014184022000031185;
Choo et al. 2008. Too Hot to Handle—Instant Noodle Burns in Children. DOI: 10.1097/BCR.0b013e31816679d0;
Crosbi et al. 1999. Starch and Protein Quality Requirements of Japanese Alkaline Noodles (Ramen) DOI: 10.1094/CCHEM.1999.76.3.328;
Deleuze. 1953. Empirisme et subjectivité.
Foucault. 1975. Surveiller et punir.
Kushner. 2014. Slurp! A Social and Culinary History of Ramen -
Japan’s Favorite Noodle Soup. ISBN: 978 90 04 26927 9;
Lee & Lee. 2003. Frequency of Instant Noodle (Ramyeon) Intake and Food Value Recognition, and their Relationship to Blood Lipid Levels of Male Adolescents in Rural Area. Korean J Community Nutr. 2003 Aug;8(4):485-494.;
Lee et al. 2008. Major Dietary Patterns and Their Associations with Socio-Demographic, Psychological and Physical Factors Among Generally Healthy Korean Middle-Aged Women. Korean J Community Nutr. 2008 Jun;13(3):439-452;
Marx. 1867. Das Kapital.
Okada & Ihida. 1968. Studies on the Storage of Instant Ramen (Fried Chinese Noodle) Part II. 日本食品工業学会誌;
Wang et al. 2011. Effect of phosphate salts on the Korean non-fried instant noodle quality. DOI: 10.1016/j.jcs.2011.09.008;
Xu. 2012. The plasticizer crisis affects on instant noodle packaging materials.
OBS. Esta disciplina é pré-requisito para Miojo 102.
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Upideite(28/nov/2014):
*Upideite(29/11/2014): Acrescentei um print que havia me escapado - mas que não muda o contexto da troca de comentários. É o que começa com: "agora vejamos o exemplo do Roberto Takata sobre a aula simples".

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Lama de perfuração

Escrevi alhures em 16/nov/2014:
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"Estadão 14/nov/2014: 'Nos depoimentos, os delatores do esquema - que esperam ter suas penas reduzidas após colaboração com a Justiça - disseram que o cartel das empreiteiras funciona ao menos desde os anos 1990 fraudando contratos. Entre elas, havia um grupo de VIPs, supostamente formado por Odebrecht, UTC, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e OAS, que tinha maior poder de 'persuasão' para ficar com os melhores contratos.'

Anos 1990 pegam: Collor, Itamar, FHC...

Naturalmente é preciso ainda investigar. Mas, sem surpresas, parece ser um esquema antigo que já rolava na Petrobras (e certamente deve rolar em outras estatais também - federais e estaduais).
Parece, sim, que políticos do PT estão implicados - novamente é coisa de investigar e punir em havendo comprovação de culpa - e o fato de continuar a operar nos governos PT é censurável.

A conotação política dada pela oposição e pela situação faz parte. Só fica complicada a indignação seletiva. Não acho que FHC tenha culpa direta no cartório, mas teria a mesma culpa indireta que Dilma e Lula têm. (A favor de Rousseff o fato de o esquema ter sido descoberto por investigação durante seu governo.)

Não tem ninguém que possa apontar o dedo para o outro como vestal. Respinga em todos - com maior ou menor intensidade (repito, só as investigações poderão mostrar).

É um processo de depuração. Pra mim, revela menos a deterioração de nosso sistema do que o inverso: mostra a capacidade que desenvolvemos como nação e país de detectar e punir os malfeitos. É um feito quase histórico que os corruptores - que não são sardinhas no oceano - terem sido enquadrados.

Não é uma vitória do governo ou da oposição. É uma vitória do país. É uma vitória nossa. E é goooool da Alem... não, é do Brasil, sil, sil."
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Hoje, 21/nov/2014, outro tucano diz basicamente a mesma coisa na Folha:
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"Nossa empresa deixou de vender equipamentos para a Petrobras nos anos 70. Era impossível vender diretamente sem propina. Tentamos de novo nos anos 80, 90 e até recentemente. Em 40 anos de persistentes tentativas, nada feito.

Não há no mundo dos negócios quem não saiba disso. Nem qualquer um dos 86 mil honrados funcionários que nada ganham com a bandalheira da cúpula.

Os porcentuais caíram, foi só isso que mudou. Até em Paris sabia-se dos 'cochons des dix pour cent', os porquinhos que cobravam 10% por fora sobre a totalidade de importação de barris de petróleo em décadas passadas.
[...]
Não sendo petista, e sim tucano, com ficha orgulhosamente assinada por Franco Montoro, Mário Covas, José Serra e FHC, sinto-me à vontade para constatar que essa onda de prisões de executivos é um passo histórico para este país.

É ingênuo quem acha que poderia ter acontecido com qualquer presidente. Com bandalheiras vastamente maiores, nunca a Polícia Federal teria tido autonomia para prender corruptos cujos tentáculos levam ao próprio governo.
[...]
Mas Dilma agora lidera a todos nós, e preside o país num momento de muito orgulho e esperança. Deixemos de ser hipócritas e reconheçamos que estamos a andar à frente, e velozmente, neste quesito.

A coisa não para na Petrobras. Há dezenas de outras estatais com esqueletos parecidos no armário. É raro ganhar uma concessão ou construir uma estrada sem os tentáculos sórdidos das empresas bandidas.

O que muitos não sabem é que é igualmente difícil vender para muitas montadoras e incontáveis multinacionais sem antes dar propina para o diretor de compras.

É lógico que a defesa desses executivos presos vão entrar novamente com habeas corpus, vários deles serão soltos, mas o susto e o passo à frente está dado. Daqui não se volta atrás como país.
[...]"
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sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Má Criação

O ex-presidente da CDMH da Câmara aprontou mais uma e protocolou um projeto de lei, PL 8.099/2014, que torna obrigatório o ensino do criacionismo nas aulas de ciências em todo o país nas escolas públicas e privadas.

Ele chupou o deputado estadual paranaense Artagão Junior que já havia apresentado em 2007 (PL 594/200714) na Assembleia Legislativa do Paraná - e reapresentou este ano (PL 30/2014).

Seguramente, as criaturas sabem que é inconstitucional. Se fazem isso só pra agradar a suas bases ou só pra torrar a paciência dos cidadãos que não seguem suas religiões, eu não sei dizer.

Mas a velha estratégia do duplo padrão. Querem contrabandear o criacionismo para dentro das aulas de ciências com base em argumentos supostamente científicos e religiosos: se se argumenta que religião não deve ser ensinada em aulas de ciências, dizem que é sob a óptica científica de hipótese da diversidade dos seres vivos; se se argumenta que uma teoria já demonstrada falsa não deve ser ensinada em aulas de ciências, dizem que é discriminação religiosa (e que crença religiosa não deve ser alvo de escrutínio científico).

Alguém que diz professar a religião de Cristo deveria se envergonhar de adotar estratégia tão insidiosa e de má-fé, de deturpação e de mentira.

Veja mais em:
DNA Cético: Nunca é demais repetir: criacionismo não é alternativa ao ensino da evolução.
Ceticismo: Mais um projeto de lei para disseminar Criacionismo nas escolas.
Maurício Tuffani: Projeto criacionista de Feliciano é um monumento à ignorância.*
                          Design Inteligente rejeita criacionismo em aulas de ciências**
Dicas de Ciência: Professores, muita atenção!***

*Upideite(15/nov/2014): adido a esta data.
Upideite(17/nov/2014): outra proposição na Câmara dos Deputados com tentativa de introduzir o criacionismo nas escolas públicas - em aulas de ciência ou de história - foi a INC 5.078/2005 do deputado Milton Cardias, do PTB-RS.
**Upideite(17/nov/2014): adido a esta data.
Upideite(25/nov/2014): A Associação Brasileira de Ensino de Biologia (SBEnBio) e a Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências (Abrapec) lançaram uma carta aberta em conjunto contra o PL.
Upideite(26/nov/2014): A Sociedade Brasileira de Física também se manifestou contra.
Upideite(05/dez/2014): A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência publicou carta contrária ao projeto.
***Upideite(26/dez/2014): adido a esta data.
Upideite(05/mar/2014): O Conselho Federal de Biologia também repudia o projeto.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Aumentou o número de miseráveis no Brasil?

Além da polêmica de retenção da divulgação da pesquisa do Ipea para depois das eleições (uma ação, sim, censurável), com a disponibilização dos dados o foco agora é que a miséria no Brasil teria parado de cair e, pior, teria aumentado - ainda que pouco.

Pegando os dados desde o ano 2003, fazendo uma regressão por uma curva exponencial, temos um ótimo ajuste: R2 = 0,97 (Figura 1).

Figura 1. Evolução do número de miseráveis no Brasil. Fonte: Ipea.


Usando o ajuste exponencial, temos a seguinte tabela (Tabela 1) de diferença entre os valores esperados pela curva e os valores calculados pela metodologia Ipea:

Tabela 1. Evolução do número de miseráveis no Brasil. Fonte: Ipea.
Ano Ipea Previsão Diferença %
2003 26,24 24,77 1,47 5,93
2004 23,58 22,51 1,07 4,77
2005 20,89 20,45 0,44 2,15
2006 17,32 18,58 -1,26 -6,79
2007 16,50 16,88 -0,38 -2,27
2008 14,03 15,34 -1,31 -8,54
2009 13,60 13,94 -0,34 -2,42
2011 11,77 11,51 0,26 2,29
2012 10,08 10,45 -0,37 -3,58
2013 10,45 9,50 -0,95 10,01
Ipea: Dados calculados pelo Ipea (em milhões);
Previsão: Dados calculados pela curva de ajuste (em milhões).

Para α=0,05 e n=8, o valor crítico de t=2,306. t(diferença) = 1,05 e t(%)=2,18. Nos dois casos, não se rejeita a hipótese nula de que a variação seja fruto do acaso.

Não quer dizer que não se deva preocupar com as questões sociais e econômicas e que não se deva atentar para as políticas que levam à redução da miséria. Ela pode, sim, aumentar diante de um quadro econômico ruim de baixo crescimento e uma inflação relativamente alta e persistente.

De todo modo, esse fato parece ter despertado a preocupação social em várias pessoas - inclusive as que estavam reclamando durante o período eleitoral do Bolsa Família e que o governo federal dava mais atenção aos pobres do que à classe média...