terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Kátia Abreu, a lexicografista, redefine latifúndio

A Senadora Kátia Abreu, agora ministra da Agricultura, depois de redefinir ruralista, agora quer mudar o significado de latifúndio.

Em entrevista à jornalista da Folha de São Paulo, Mônica Bergamo, a ministra disse que no nosso Brasil varonil não há mais latifúndios.

Com a devida vênia, vamos ao que diz a lei 4.505/1964 (Estatuto de Terra):
Art. 4°
"V - 'Latifúndio', o imóvel rural que:
a) exceda a dimensão máxima fixada na forma do artigo 46, § 1°, alínea b, desta Lei, tendo-se em vista as condições ecológicas, sistemas agrícolas regionais e o fim a que se destine;

b) não excedendo o limite referido na alínea anterior, e tendo área igual ou superior à dimensão do módulo de propriedade rural, seja mantido inexplorado em relação às possibilidades físicas, econômicas e sociais do meio, com fins especulativos, ou seja deficiente ou inadequadamente explorado, de modo a vedar-lhe a inclusão no conceito de empresa rural."

Art. 46.  § 1°, alínea b
b) dos limites máximos permitidos de áreas dos imóveis rurais, os quais não excederão a seiscentas vezes o módulo médio da propriedade rural nem a seiscentas vezes a área média dos imóveis rurais, na respectiva zona;"

Pra não existir mais latifúndio no Brasil, *dois* fatos devem ser verdadeiros *ao mesmo tempo*:
1) No Brasil não há mais propriedades rurais com mais de 600 módulos médios nem 600 vezes a área média das propriedades rurais da região;
2) No Brasil não há mais propriedades improdutivas.

Entre 2003 e 2010, segundo levantamento do Incra, órgão responsável por avaliar a função social da terra, a improdutividade *aumentou*, bem como a concentração de propriedades rurais. Teria a tendência se revertido durante a primeira gestão da presidenta Dilma Rousseff? Ainda mais a ponto de eliminar as grandes propriedades rurais e/ou improdutivas? Em 2010, eram cerca de 130 mil grandes propriedades rurais com área média de cerca de 2.400 ha, destes, 40% eram classificados como improdutivos.

O tamanho do módulo varia de 5 a 110 ha. A média no Brasil é de 60 ha. Qualquer propriedade rural com 66.000 ha ou mais com certeza seria um latifúndio por extensão. Abaixo uma pequena amostra, nem de longe exaustiva de propriedades que podem ser consideradas latifúndios por extensão (não necessariamente por produtividade).

278 mil ha. Paracajá-PA.
252 mil ha. São Miguel do Araguaia-GO.
170 mil ha. Manicoré-AM.
170 mil ha. Casa Nova-BA.
150 mil ha. Belém-PA.
143 mil ha. Tarauacá-AC.
122 mil ha. Feijó-AC.
117 mil ha. Poconé-MT.
112 mil ha. Canto do Buriti-PI.
103 mil ha. Itiquira-MT.
100.532 ha. Cocalinho-MT.
101 mil ha. Itiquira-MT.
94 mil ha. Aripuana-MT.
85 mil ha. Bom Jesus-PI
72 mil ha. Abreulândia-TO.
66.658 ha. Regeneração-PI.

Ou seja, tanto tanto propriedades que são latifúndios por produção quanto há por extensão.

Então, para a nossa ministra dizer que não há mais latifúndio no país, ela precisaria redefinir pra algo como: "propriedade com mais de 8,5 milhões de km2 ou que produz menos de 100 milhões de toneladas de grãos por safra".

E o que tem potencial de dar mais problemas do que já há, o diagnóstico dos conflitos indígenas da senadora é: "os índios saíram da floresta e passaram a descer nas áreas de produção". Ela simplesmente inverte a realidade histórica e diz que são os índios que invadem as propriedades dos produtores rurais e não que produtores rurais (nem sempre de boa-fé; nem sempre de má-fé) apropriaram-se territórios indígenas tradicionais (a rigor, todo o Brasil é território indígena tradicional, mas diz a nossa Constituição em seu art. 231 "§ 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.".)

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