quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Unicamp promove criacionismo obrigatório a seus alunos - leitores comentam

Subi os comentários dos leitores na postagem original a respeito de uma palestra na Unicamp intitulada "Ciência e fé", mas publico também nesta postagem à parte para uma melhor indexação (maior visibilidade não terá porque o NAQ é muito pouco visitado).

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Mayara
"O professor Tessler afirmou que não estava na palestra, sendo assim, fontes que estavam presentes seriam mais confiáveis para uma descrição do que de fato foi falado. Apenas para citar uma fonte que realmente assistiu a palestra: Luciana 'estou impressionada na quantidade de questionamentos e críticas de pessoas que nem assistiram. A palestra é sim sobre fisiologia e como o nosso corpo reage a situações ligadas à 'fé' e afins.... Sobre a glândula pineal, etc... É muito interessante e está longe de ter uma conotação religiosa. Sobre a obrigatoriedade? É a abertura de um evento de IC, uma palestra... poderia ser qualquer tema. Qual é o problema?! Vc entra, não gostou, sai! Nunca vi tanto besteirol sendo discutido em um grupo de uma universidade como essa. O povo posta qualquer coisa e não percebe as dimensões que isso pode chegar. Lamentável!!! E o tal Leandro (professor???!!!) nem assistiu e fica dizendo que 'segundo relatos é de fundo religioso'.... por favor, né?!'. O que inseri entre aspas foi o que ela mesma escreveu no facebook no grupo de discussão da Unicamp.

Também acho válido ressaltar o comentário da professora que ministra Evolução na Unicamp, Mariana Nery. Ela mesma postou no grupo de discussões da universidade: 'INACREDITÁVEL, como hoje em dia as pessoas compartilham informações antes de checar. Muito irresponsável da parte de vocês primeiro postar algo que não diz muito (afinal, dou aula de EVOLUÇÃO na UNICAMP e na minha aula poderiam muito bem ter fotografado slides parecidos, mas cujo teor jamais versa sobre o criacionismo/DI). EXTREMAMENTE IRRESPONSÁVEL que compartilhem e se revoltem com tão pouco. Compartilharem um post de alguém que NEM ESTEVE na palestra e que diz que 'Não era uma palestra criacionista, mas com um fundo religioso segundo relatos.' (publicado no twitter dele). O professor Miguel, extremamente querido e respeitado, fala sobre os mecanismos fisiológicos da fé. Não estava doutrinando ninguém. Postagem totalmente sem contexto e que não quer dizer NADA. Apurem antes de se deixar levar por posts de twitter e facebook. Conversem com alguém que esteve na palestra, ou melhor, com o próprio palestrante. APUREM antes de publicar qualquer coisa. Estou profundamente chocada com vocês.'"
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"Olá, estava na palestra também, e, de fato, não foi uma palestra criacionista. Vou copiar o que escrevi na página do Eli Vieira porque já escrevi isso em várias páginas da internet nessa última hora, desculpe:

"Eu estava nessa palestra aí e ela de forma alguma foi uma palestra criacionista. Na verdade foi um elogio à ciência, na qual o palestrante contrapôs o modo de pensamento científico à fé. Para isso, ele apresentou narrativas bíblicas e discursos criacionistas que foram ironizados durante a apresentação. Pessoalmente, não gostei da palestra, achei muito debochada e superficial. Mas definitivamente foi uma palestra pró-ciência. Não senti nem mesmo o 'tom religioso'. Na verdade, o que o palestrante fez foi usar argumentos do tipo "Deus ia querer que vc questionasse mesmo" da mesma forma que é comum entre pessoas com descaso pela heresia falar que 'se sexo fosse pecado, não seria tão bom'. Já que o incêndio se alastrou, e foi alastrado por alguém que não estava presente à palestra, diga-se de passagem, acho razoável que você coloque um disclaimer sobre a história em um novo post, já que muita gente não vai descer até aqui nos comentários. No mínimo isso aqui é um caso de 'lei do fulano-cujo-nome-não-sei' sobre ironia na internet, com o agravante que o caso aconteceu no mundo real e foi depenado para ser jogado na web."
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terça-feira, 17 de novembro de 2015

Unicamp promove criacionismo obrigatório a seus alunos

Developing story.

Quando o professor Leandro Tessler, do Cultura Científica, comentou numo almoço que haveria uma palestra obrigatória para os alunos de iniciação científica em exatas e tecnológicas da Unicamp durante o 23° Congresso de Iniciação Científica da Unicamp com o título "Ciência da Fé", nutri a esperança de que poderia ser uma apresentação científica: sobre processos cognitivos e biológicos ligados ao sentimento da fé (eventualmente estudos de genes que estariam correlacionados a uma maior ou menor expressão de religiosidade; estudos de padrões de ressonância magnética funcional de pessoas durante a reza ou exposição a imagens religiosas ou algo assim).

Mas Tessler, que já havia tentado me demover de minha fé na boa fé do evento, demoliu minha ilusão tuitando partes da palestra.





A estratégia da cunha abriu uma fenda, um Grand Canyon, na Unicamp. É preciso uma resposta muito séria da comunidade científica e uma cobrança de responsabilidade da Pró-Reitoria de Pesquisa da instituição.*

Não é apenas um evento perdido aproveitando-se do nome da universidade. É um evento oficial. Não é apenas uma pseudociência defendida em um evento oficial. É a pseudociência apresentada de forma *obrigatória* aos alunos.

Assim que obtiver mais detalhes atualizo esta postagem.

*Upideite(17/nov/2015):




Não considero um plot twist**. Há uma gradação no espectro criacionista. Ainda é preciso uma cobrança de responsabilidade. Ainda que mais matizada do que se, p.e., fosse uma defesa explícita do criacionismo como tentaram fazer uma vez.

Mas é bom dizer que há relatos dizendo que não houve tom religioso.

Upideite(17/nov/2015): Nos comentários, leitora Mayara dá uma versão diferente sobre a palestra:
"O professor Tessler afirmou que não estava na palestra, sendo assim, fontes que estavam presentes seriam mais confiáveis para uma descrição do que de fato foi falado. Apenas para citar uma fonte que realmente assistiu a palestra: Luciana 'estou impressionada na quantidade de questionamentos e críticas de pessoas que nem assistiram. A palestra é sim sobre fisiologia e como o nosso corpo reage a situações ligadas à 'fé' e afins.... Sobre a glândula pineal, etc... É muito interessante e está longe de ter uma conotação religiosa. Sobre a obrigatoriedade? É a abertura de um evento de IC, uma palestra... poderia ser qualquer tema. Qual é o problema?! Vc entra, não gostou, sai! Nunca vi tanto besteirol sendo discutido em um grupo de uma universidade como essa. O povo posta qualquer coisa e não percebe as dimensões que isso pode chegar. Lamentável!!! E o tal Leandro (professor???!!!) nem assistiu e fica dizendo que 'segundo relatos é de fundo religioso'.... por favor, né?!'. O que inseri entre aspas foi o que ela mesma escreveu no facebook no grupo de discussão da Unicamp.

Também acho válido ressaltar o comentário da professora que ministra Evolução na Unicamp, Mariana Nery. Ela mesma postou no grupo de discussões da universidade: 'INACREDITÁVEL, como hoje em dia as pessoas compartilham informações antes de checar. Muito irresponsável da parte de vocês primeiro postar algo que não diz muito (afinal, dou aula de EVOLUÇÃO na UNICAMP e na minha aula poderiam muito bem ter fotografado slides parecidos, mas cujo teor jamais versa sobre o criacionismo/DI). EXTREMAMENTE IRRESPONSÁVEL que compartilhem e se revoltem com tão pouco. Compartilharem um post de alguém que NEM ESTEVE na palestra e que diz que 'Não era uma palestra criacionista, mas com um fundo religioso segundo relatos.' (publicado no twitter dele). O professor Miguel, extremamente querido e respeitado, fala sobre os mecanismos fisiológicos da fé. Não estava doutrinando ninguém. Postagem totalmente sem contexto e que não quer dizer NADA. Apurem antes de se deixar levar por posts de twitter e facebook. Conversem com alguém que esteve na palestra, ou melhor, com o próprio palestrante. APUREM antes de publicar qualquer coisa. Estou profundamente chocada com vocês.'"

Upideite(17/nov/2015): Comentário lateral: A expressão "glândula pineal" me faz soar alguns alarmas. Ela tem uma função importante bem estabelecida na regulação do ritmo circadiano. Mas é alvo de várias hipóteses pseudocientíficas ou não bem estabelecidas ou descartadas promovidas por várias correntes religiosas - muitas dessas visões com raízes na hipótese de Descartes de que a glândula pineal seria a sede da alma.

Comentário lateral 2: Não coloco em questão o profissionalismo e conhecimento do Prof. Dr. Miguel Areas dentro de sua especialidade - e só o cito aqui porque acabou sendo nomeado no comentário (nem reproduzi o tweet em que o nome do professor aparecia). (Vários depoimentos atestam que ele é querido. Mas, mesmo que ele fosse detestado, não deveria mudar a análise do caso.)

Minha encrenca é com a instituição, escalando uma palestra (usando eufemismo) estranha para ICs. Sim, sim, universidade é local para o debate franco e aberto de ideias, para a liberdade de pensamento, pluralidade de pontos de vistas, etc. etc. Só que ainda parece caracterizada a estratégia de cunha.

**Upideite(18/nov/2015): Leitor/a vsiccag corrobora versão da leitura Mayara:
"Olá, estava na palestra também, e, de fato, não foi uma palestra criacionista. Vou copiar o que escrevi na página do Eli Vieira porque já escrevi isso em várias páginas da internet nessa última hora, desculpe:

"Eu estava nessa palestra aí e ela de forma alguma foi uma palestra criacionista. Na verdade foi um elogio à ciência, na qual o palestrante contrapôs o modo de pensamento científico à fé. Para isso, ele apresentou narrativas bíblicas e discursos criacionistas que foram ironizados durante a apresentação. Pessoalmente, não gostei da palestra, achei muito debochada e superficial. Mas definitivamente foi uma palestra pró-ciência. Não senti nem mesmo o 'tom religioso'. Na verdade, o que o palestrante fez foi usar argumentos do tipo "Deus ia querer que vc questionasse mesmo" da mesma forma que é comum entre pessoas com descaso pela heresia falar que 'se sexo fosse pecado, não seria tão bom'. Já que o incêndio se alastrou, e foi alastrado por alguém que não estava presente à palestra, diga-se de passagem, acho razoável que você coloque um disclaimer sobre a história em um novo post, já que muita gente não vai descer até aqui nos comentários. No mínimo isso aqui é um caso de 'lei do fulano-cujo-nome-não-sei' sobre ironia na internet, com o agravante que o caso aconteceu no mundo real e foi depenado para ser jogado na web."

Agora seria o caso de um plot twist. A palestra teria um tom de deboche em relação às narrativas religiosas. Estou usando o futuro do pretérito com aspecto verbal de suposição não porque eu duvide da honestidade do depoimento de vsiccag, mas é porque há depoimentos conflitantes.

sábado, 14 de novembro de 2015

Lie to me, I promise I'll believe*: uma breve lista de sites de notícias fakes

Sites de notícias fakes:
  1. Diário de Barrelas - O terceiro maior jornal de humor da cidade de Barrelas
    http://www.diariodebarrelas.com.br/
  2. Diário Pernambucano - Falsiê, sem Farsas
    http://www.diariopernambucano.com.br/
  3. Escândalo Hoje - Um jornal sem compromisso com a verdade***
    http://escandalohoje.com/
  4. G17
    http://www.g17.com.br/
  5. Joselito Müller - Jornalismo destemido
    http://www.joselitomuller.com/
  6. O Bairrista
    http://obairrista.com/
    (Um estudo sobre O Bairrista)
  7. Sensacionalista - Um jornal isento de verdade
    http://sensacionalista.uol.com.br/
  8. The piauí Herald
    http://revistapiaui.estadao.com.br/herald/
  9. Hariovaldo Almeida Prado - No combate ao comunismo ateu e na defesa da família cristã**
    http://www.hariovaldo.com.br/
  10. The Onion - America's finest news source
    http://www.theonion.com/
  11. World News Daily Report****
    http://worldnewsdailyreport.com/
Uma outra categoria de site de notícias falsas - não há uma intenção explícita de paródia, sátira e diversão. Nem mesmo explicitam que as notícias são falsas. Estes podem ser particularmente perniciosos.

  1. Folha Brasil
    http://afolhabrasil.com.br/

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Desculpe ser estraga-prazeres, mas não é que *eu* não saiba brincar: só acho que tem gente demais compartilhando material dessas fontes achando que são notícias reais.
(Atualizo à medida em que me lembrar - ou ficar sabendo - de mais deles.)
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Um site pra conferir a veracidade de certas informações:
E-farsas.com - Desvendando farsas da web desde 2002
http://www.e-farsas.com/
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Sim, fiquei tentado a incluir na lista fontes como a Veja, O Antagonista e similares. Mas achei melhor concentrar aqui nos jornais satíricos com franco objetivo de publicar notícias falsas para diversão: não fontes que procurem amealhar credibilidade de verdade para espalhar mentiras por razões outras. Também não inclui fontes de baixa credibilidade como Jornal Ciência, HypeScience, Daily Mail..., que fazem sensacionalismo e frequentemente publicam matérias mentirosas, por não terem objetivo explícito de fazer humor.
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*Obs. Verso de Strong Enough, Sheryl Crow.

**Upideite(06/dez/2015): Sugestão de André nos comentários.
***Upideite(27/jan/2016): Adido a esta data.
***Upideite(28/jan/2016): Adido a esta data.

domingo, 1 de novembro de 2015

Armas e homicídio: dissuasão não muito persuasiva

A Bancada da Bala articula-se com outros setores conservadores do Congresso para a revogação do Estatuto do Desarmamento. Deputados defendem a liberação da posse de arma por cidadãos comuns com argumentos similares - na verdade exatamente igual - aos dos lobistas pró-armas nos EUA (como a NRA): cidadãos de bem armados inibem a ação de bandidos.

Como apoio à tese, citam um tal estudo de Harvard "comprova que, quanto mais armas os indivíduos de uma nação têm, menor é a criminalidade". Na verdade não é um estudo de Harvard - não foi feito por pesquisadores associados à instituição. Não é nem um estudo formal, foi publicado em uma revista editada por estudantes da universidade, sem revisão por pares (logo, sem indexação). E, claro, contém várias falhas.

De todo modo, temos números nacionais sobre o grau de armamento da população e a taxa de homicídios em vários países de modo que podemos fazer uma análise para testar essa hipótese de dissuasão.

O DataBlog do jornal inglês The Guardian tabulou esses valores em 2012. Levantamento similar já foi feito também por pró-armas - plotando as variáveis e fazendo uma regressão linear obtém uma correlação negativa: de fato, quanto maior o número de armas por cidadão, menor o número de homicídios por 100.000 habitantes-ano (Fig. 1).

Figura 1. Mais armas, menos mortes? Regressão linear entre taxa de homicídios por 100.000 habitantes-ano e número de armas a cada 100 habitantes.

Note-se, porém, que o grau de ajuste é muito baixo, como mostrado pelo R² de apenas 0,0104.

Uma relação geométrica tem um ajuste melhor - mas também baixo (Fig. 2).

Figura 2. Mais armas, mais mortes? Regressão geométrica indica o oposto da regressão linear.

Na verdade, um melhor preditor da taxa de homicídio em um país é o IDH: quanto maior o IDH, menores as taxas homicídio (Fig. 3).

Figura 3. Mais desenvolvido, menos mortes? Regressão linear entre logaritmo de IDH e logaritmo de taxa de homicídio (eliminando-se os pontos com valor 0).

A região com IDH acima de 0,613 [log(IDH)>-0,23] tem um ajuste melhor (Fig. 4) - parece que a mortalidade não varia muito (se mantém mais ou menos alta) para IDH mais baixos.

Figura 4. Mais desenvolvido, menos mortes, então? Entre países com IDH maior do que cerca de 0,6 há uma relação inversa relativamente boa entre desenvolvimento e taxa de homicídios.

Considerando-se países com IDH maior do que 0,613, se eliminarmos a influência do IDH e plotarmos as taxas residuais de homicídio (log das taxa de homicídio menos log das taxas de homicídio esperado para o log de IDH), temos uma relação direta (em termos de log) entre a quantidade de armas disponíveis para a população e taxas de homicídio (Fig. 5) - note-se, no entanto, que o ajuste não é dos melhores: R² - 0,17 (mas bem melhor do que, p.e., o ajuste da relação de proporcionalidade direta entre número de armas na população e taxas de homicídio).

Figura 5. Mais armas, mais mortes? Relação linear entre log(número de armas por 100 habitantes) e log(taxa de homicídio - após correção pelo log de taxa de homicídio esperado pelo log do IDH).

Obs. Esta análise não deve ser levada a ferro e a fogo. Mas está de acordo com a maioria dos estudos mais rigorosos publicados sobre o tema como o de Killias 1993.