segunda-feira, 14 de março de 2016

Retrato de uma sociedade quando jovem e nem tão jovem

Pensando aqui no status do Pedro Doria no facezucko com imagens justapostas da presidenta Rousseff e de uma pintura de Debret.

Considero que o jornalista (autor dos livros 1565 e 1779, ótimos complementos à trilogia anonumérica do também jornalista Laurentino Gomes sobre a história do Brasil) tem um bom ponto, mas que também tem limitações.

É verdade que uma imagem isolada, tirada do contexto, pode ser interpretada de maneira diversa da realidade (sem entrar em discussões geralmente estéreis sobre realismo/antirrealismo).

Mas, de um lado, levada a cabo, isso se aplica também à imagem de Debret. Será que aquilo mostra uma relação de dominação senhorial sobre os negros escravos na época do Brasil Colônia? Haverá imagens de sinhazinhas carregando sua própria sombrinha - ou talvez os retratistas tenham deixado isso escapar. Beeeem, pra fazermos isso temos que deixar de lado o que sabemos a respeito da época: dos documentos escritos e outros registros que permitem interpretarmos os retratos de Debret como uma representação (de outro lado, nem sempre acurada) do cotidiano de uma sociedade escravocrata.

Assim, as pinturas de Debret devem ser interpretadas dentro de um contexto conhecido sobre o funcionamento da sociedade da época - e, a partir disso, isso nos fornece informações adicionais a respeito dessa mesma sociedade (além de informações a respeito das técnicas artísticas e da biografia do próprio Debret). E, sim, dentro de limites.

Podemos aplicar o mesmo raciocínio para outras representações iconográficas de outra épocas e sociedades. Inclusive sobre o guarda-costas-chuvas da presidenta Rousseff e inclusive sobre a foto de uma família classemédia brasileira em um domingo de sol nas manifestações com a babá de uniforme.

Há uma lista extensa de literatura científica (antropológica mormente) a respeito da relação entre patroa (e a família da patroa) e a emprega doméstica/babá.

Não é meramente uma relação trabalhista, no geral. (Nenhum trabalho se resume a uma mera relação trabalhista, mas a relação com os empregados domésticos é mais extremada nas questões que transbordam e tangem as relações estritamente trabalhistas.)

Trecho de resumo de trabalho de Jurema Brites (2007), antropóloga da UFJF:
"Na realização das tarefas de cuidado e manutenção das famílias de camadas médias no Brasil – desempenhada, na esmagadora maioria das vezes, por mulheres pobres, fora da parentela dos empregadores – assim como nas formas de remuneração e de relacionamento que se desenvolvem entre patrões e empregadas domésticas, reproduz-se um sistema altamente estratificado de gênero, classe e cor. A manutenção desse sistema hierárquico que o serviço doméstico desvela tem sido reforçada, em particular, por uma ambigüidade afetiva entre os empregadores – sobretudo as mulheres e as crianças – e as trabalhadoras domésticas."

Nesse sentido, não é exatamente verdadeira a frase de Doria a respeito da foto da babá de que o retrato não quer dizer nada.

Disclêimer: Cresci - a partir de um momento - em família que contava com trabalho de empregados domésticos.

sábado, 5 de março de 2016

Procuradoria da República em Curitiba não sabe ler

A Procuradoria da República em Curitiba publicou nota defendendo o uso da condução coercitiva do ex-presidente Lula. Pelas argumentações, ela não sabe ler porque o que está escrito no Código de Processo Penal é bem diferente do que ela quer fazer crer.

"3. Considerando que em outros 116 mandados de condução coercitiva não houve tal clamor, conclui-se que esses críticos insurgem-se não contra o instituto da condução coercitiva em si, mas sim pela condução coercitiva de um ex-presidente da República."

Nope. Se os 116 mandados anteriores foram nas mesmas condições realizadas, então o MPF em Curitiba violou a lei 117 vezes.

"5. No que tange à suposta crítica doutrinária, o instituto da condução coercitiva baseia-se na lei processual penal (cf. Código de Processo Penal, arts. 218, 201, 260 e 278 respectivamente e especialmente o poder geral de cautela do magistrado) e sua prática tem sido endossada pelos tribunais pátrios."

Vamos então ao Código do Processo Penal:
Art. 201.
"Sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado sobre as circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas que possa indicar, tomando-se por termo as suas declarações.
§ 1o Se, intimado para esse fim, deixar de comparecer sem motivo justo, o ofendido poderá ser conduzido à presença da autoridade."

Não cabe. Tenta outra. (Lula é o ofendido?)

Art. 218.
"Se, regularmente intimada, a testemunha deixar de comparecer sem motivo justificado, o juiz poderá requisitar à autoridade policial a sua apresentação ou determinar seja conduzida por oficial de justiça, que poderá solicitar o auxílio da força pública."

Não cabe. Tenta outra.

Art. 260.
"Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença."

Não cabe. Tenta outra.

Art. 278.
"No caso de não-comparecimento do perito, sem justa causa, a autoridade poderá determinar a sua condução."

Não cabe. Tenta outra. (Lula é perito agora?)

"7. Trata-se de medida cautelar muito menos gravosa que a prisão temporária e visa atender diversas finalidades úteis para a investigação, como garantir a segurança do investigado e da sociedade, evitar a dissipação de provas ou o tumulto na sua colheita, além de propiciar uma oportunidade segura para um possível depoimento, dentre outras."

Arrancar uma perna é muito menos gravosa do que matar. So what? Foi ilegal.

"11. Após ser intimado e ter tentado diversas medidas para protelar esse depoimento, incluindo inclusive um habeas corpus perante o TJSP, o senhor Luiz Inácio Lula da Silva manifestou sua recusa em comparecer."

Ao que não era obrigado a comparecer, ué.

Vejamos o que o Ministério Público de São Paulo disse ao Jornal Nacional: "por um erro, Lula e Marisa tinham sido notificados de que eram obrigados a ir prestar depoimento. O promotor Cássio Conserino esclareceu que Lula e Marisa não são obrigados a prestar depoimento no Ministério Público."

"13. Assim, para a segurança pública, para a segurança das próprias equipes de agentes públicos e, especialmente, para a segurança do próprio senhor Luiz Inácio Lula da Silva, além da necessidade de serem realizadas as oitivas simultaneamente, a fim de evitar a coordenação de versões, é que foi determinada sua condução coercitiva."

Agora, fio, ache nos artigos citados lá no item que 5 que falam em condução coercitiva onde, deabos, fala que o mecanismo é usado para segurança pública?

Não tenho formação em direito. Mas estou respaldado por opinião de vários especialistas em direito. Como o ex-ministro da Justiça de FHC, José Gregori; e Walter Maierovich, ex-secretário de FHC da política antidrogas; ou mesmo o ministro do STF, Marco Aurélio Mello.

" 15. Por fim, tal discussão nada mais é que uma cortina de fumaça sobre os fatos investigados.

16. É preciso, isto sim, que sejam investigados os fatos indicativos de enriquecimento do senhor Luiz Inácio Lula da Silva, por despesas pessoais e vantagens patrimoniais de grande vulto pagas pelas mesmas empreiteiras que foram beneficiadas com o esquema de formação de cartel e corrupção na Petrobras, durante os governos presididos por ele e por seu partido, conforme provas exaustivamente indicadas na representação do Ministério Público Federal."

Sim, é preciso investigar! Mas dentro da lei! Cortina de fumaça é falar que é preciso investigar para ocultar uma flagrante ilegalidade por agente público no exercício de sua função - e, no caso, não é do Lula, que não é flagrante, é objeto de investigação; mas do MPF e, por conseguinte, da PF que seguiu as instruções formuladas ao arrepio da lei.